sexta-feira, 20 de maio de 2011

São Bernardino de Sena


MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II
AO BISPO E AOS FIÉIS DE MASSA MARÍTIMA (ITÁLIA)
POR OCASIÃO DO VI CENTENÁRIO
DO NASCIMENTO DE SÃO BERNARDINO


Venerado Irmão e caríssimos Filhos

             1. Na minha recente peregrinação à terra de Abruzos tive a alegria de ajoelhar-me diante da urna que, em Aquila, conserva o corpo incorrupto de São Bernardino de Sena, o franciscano a quem a vossa Cidade se gloria de ter dado nascimento, precisamente há seis séculos, e recordei a figura e obra apostólica do vosso grande Concidadão.
             Na presente circunstância, gostaria de retomar convosco o assunto então começado, com o desejo de melhor desenvolver a reflexão sobre o testemunho de fidelidade ao Evangelho, que este . insigne Santo nos deixou. Em Bernardino, está-se diante de um modelo acabado de homem, de religioso e de apóstolo, para quem a nossa época pode ainda olhar a fim de colher a indicação das oportunas soluções para os numerosos problemas que a afligem.
             2. Primeiro que tudo, o homem. De mente aberta à fascinação da verdade e do bem, vivamente sensível às sugestões da beleza, Bernardino deu prova de singular riqueza de qualidades humanas, fundidas entre si num equilíbrio tão perfeito que despertavam a concorde admiração dos contemporâneos. Essa harmoniosa personalidade, por outro lado, não constituiu apenas fruto de um. feliz concurso de circunstâncias casuais. Estava na base um esforço, ascético, fundamentado numa clara visão antropológica.
             O homem é imagem de Deus, proclama Bernardino seguindo a Bíblia. Como tal, deve-se conformar com Ele em todas as acções, mas sobretudo nas intenções profundas do coração (cf. S. Bernardini Senensis Opera Omnia, Quaracchi 1950-1959, vol. II, p. 300). “Deus criou todas as criaturas para o homem, e o homem para Si” repete o nosso Santo juntamente com Agostinho (cf. op. cit., p. 161). Todavia, sendo embora o mais nobre dos animais, é também o mais ingrato: “Grande é a ingratidão e a ignorância cega dos homens! Os outros animais são domesticados pelos benefícios; só os corações dos homens são endurecidos e cegados pelos benefícios de Deus” (Opera omnia, cit., vol. III, p. 347).
            O homem é, por isso, criatura que, mais que as outras, tem necessidade de disciplina: “Os homens são incomparavelmente mais nobres e mais preciosos que os outros animais, mas são também os mais inclinados ao mal e mais nocivos pelos maus hábitos, e mais perturbam a paz civil; portanto com maior disciplina devem ser guardados, curados e enfreados pela justiça” (Opera omnia, cit., vol. III, p. 300). Todo o esforço humano, todavia, resultaria inútil sem o contínuo socorro da graça de Deus, “porque sem a Sua ajuda não se pode oferecer nenhuma resistência à batalha do demónio, do mundo e da carne” (cf. Prediche volgari, ed. do P. Ciro Cannarozzi, O.F.M., Firenze 1940, vol. III, p. 224).
            Por sua felicidade o homem não está só nesta luta: ao lado dele está Deus, que não se cansa de oferecer-lhe o apoio da Sua mão salvadora: mão que, se às vezes fere, é todavia movida, sempre e só, pelo amor (cf. ibid., pp. 242-257).
           Esta, na substância, a mensagem que Bernardino propõe aos seus ouvintes, explicando o seu conteúdo segundo as exigências específicas das diversas categorias. Dirige-se aos casados, aos jovens, aos adolescentes e às crianças, aos negociantes, aos estudantes, aos governantes, aos súbditos, aos leigos e ao clero. Fala recorrendo à Sagrada Escritura, aos exemplos dos Santos, aos ditos dos poetas; teólogos e juristas, filósofos e artistas estão sempre nos seus lábios, como testemunho do longo tirocínio cultural por ele suportado em preparação para o ministério. da pregação.
            3. De não menos interesse é o testemunho que Bernardino nos oferece como religioso. Aos 22 anos, depois de uma experiência de trabalho social e caritativo com poucos outros jovens senenses, durante a peste que ia despovoando a cidade, pediu para entrar entre os Frades Menores. Escolheu o grupo que estava então renovando a Ordem, no regresso à observância rígida e austera, reflorescida em Brogliano com frei Pauluccio Trinci, de Foligno, e depois com frei Giovanni de Stroncone. A sua experiência heróica de caridade entre os empestados e a natural propensão para o cargo de “agente de paz” e de exemplar guarda da castidade entre os jovens de Sena, no Estudo da cidade e na Companhia de Santa Maria da Escada, foram o melhor bilhete de apresentação para conseguir ser recebido entre os Franciscanos.
            Pelos biógrafos sabemos que principiou quase logo a dirigir os seus irmãos como Superior local e provincial, na Toscana e na Úmbria, até coroar o “serviço aos irmãos” como Vigário-Geral da Observância. Foram cerca de 300 os conventos por ele renovados ou aceitos entre os Observantes, aqui a acolá pela Itália.
           Assim como na qualidade de leigo estimulara os amigos às obras de caridade e de heróica assistência social, assim também como religioso soube infundir nos Irmãos o ardor do seu zelo em seguia as pisadas do “Poverello” no caminho do radicalismo evangélico. A fascinação da sua personalidade conquistava todos os que se aproximavam dele. Quanto mais clara era a apresentação que fazia das exigências austeras da Regra, tanto maior era o fervor com que eles corriam atrás do mestre, no desejo de lhe emular as virtudes (cf. Holzapfel H., Manuale historiae OFM, Friburgi Brisgoviae, 1909, pp. 81-85).
         Desta sorte, o movimento da Observância, iniciado com os irmãos leigos, toma-se com São Bernardino nova força, de espiritualidade e cultura, que estimula todo o franciscanismo a vencer as fraquezas humanas, os cansaços da rotina, e lhe favorece o reflorir com abundante número de jovens estudantes universitários, empenhados no estudo da teologia, da moral, do direito, e no apostolado popular em toda a Itália. Entre estes sobressaem os amigos íntimos de Bernardino: São João de Capestrano, São Tiago da Marca, o Beato Alberto de Sarteano e outros muitos, na Úmbria, na Toscana, nas Marcas, na Itália e fora da Itália. E “bernardinos” se chamarão os Observantes de algumas regiões da Europa, como por exemplo na minha pátria, a Polónia.
           4. Bernardino, homem de êxito e religioso exemplar, fica na história da cristandade sobretudo como apóstolo. Pregador itinerante, como Cristo e como os Apóstolos, fez do púlpito a sua cátedra. Foi o maior pregador popular da época, tanto que o século XV foi definido “o século de Bernardino”. Em muitas partes da Itália central e setentrional surgem altares, oratórios e templos, erectos em memória das suas pregações e dos seus milagres. Admirado pelos simples como pelos doutos, pelos magistrados como pelos homens da Igreja, Bernardino foi pedido como Bispo em Sena, em Ferrara e em Urbino. Recusou sempre, para manter a liberdade de levar a sua palavra a toda a parte aonde fosse requerido, estando intimamente convencido de ter recebido de Deus a chamada a este ministério, e não a outro.
           Pelo seu exemplo e pela sua palavra dita ou escrita, foi renovada a pregação italiana. Disso restam documentos nos volumes das suas “Prediche volgari”, feitas em Florença e em Sena, nos esquemas de sermões latinos, que ele mesmo e os discípulos recolheram ` para serviço dos outros pregadores, nas obras de teologia moral ou ascética, redigidas para a escola e para a vida dos seus Irmãos.
           5. Bernardino de Sena fica na história da pregação, da teologia e da ascética, sobretudo como apóstolo do Nome de Jesus. Impressionado pela advertência de Cristo: “E tudo quanto pedirdes em Meu nome, Eu o farei, para que o Pai seja glorificado no Filho” (Jo 14, 13), não pára de fazer-se eco da mesma: pedir ao Padre em nome do Filho é reconhecer o plano de Deus, que desejou servir-se do Verbo encarnado para nos salvar. Nós podemos e devemos santificar-nos por meio da invocação do Filho, cuja mediação nos abre o caminho de acesso ao Pai. O nome de Cristo, portanto, significa misericórdia para com os pecadores, força para vencer na luta, saúde para os enfermos, alegria e exultação para quem o invoca com devoção nas várias circunstâncias da vida, glória e honra para quantos nele têm fé, conversão da tibieza em fervor da caridade, certeza de ser ouvido para quem o invoca, doçura para quem devotamente o medita, suavidade inebriante para quem na contemplação lhe penetra o mistério, fecundidade de méritos para quem é ainda peregrino, glorificação e beatitude para quem já chegou à meta, o Nome de Jesus foi a bandeira, impugnando a qual São Bernardino enfrentou as situações mais difíceis, conseguindo triunfar delas: foi nesse Nome que ele obteve a pacificação das facções rivais, o melhoramento dos costumes, o reavivamento da fé e o incremento da prática cristã.
           6. Tema fundamental da pregação do nosso Santo foi também a devoção à Virgem Maria, considerada sobretudo como Mãe de Deus é Medianeira de perdão e de graça. São Bernardino medita, saboreando-as, as páginas do Evangelho que falam de Nossa Senhora, comemora-lhe as festas, comenta-lhe os títulos, ilustra-lhe os mistérios, a começar da sua Conceição imaculada até à sua gloriosa Assunção ao Céu.
             Os exemplos da sua vida oferecem-lhe o ponto de partida para sempre novas aplicações morais, que propõe às várias categorias de pessoas, mas em particular aos jovens e às jovens, com tal fervor de sentimento e vigor de palavras e de imagens, que suscita a adesão entusiasta do auditório. A todos pede com insistência que recorram confiadamente à maternal intercessão de Maria, cuja palavra tanto pode sobre o coração de Deus: “Portanto rogar-lhe-emos que peça ao seu doce Filho Jesus que, pelos seus méritos, nos dê graça neste mundo, para depois no outro nos dar a glória infinita” (Prediche volgari, cit., vol. II, p. 420).
            Com esta exortação apraz-me concluir a presente Mensagem, uma vez que na assídua invocação da Virgem Santa e na generosa imitação das suas virtudes reside o segredo daquela profunda renovação de mentalidade e vida, que foi o ideal seguido coro zelo infatigável pelo vosso santo Concidadão.
            Ao renovar a expressão dos sentimentos de paternal afecto que sinto por essa Comunidade, na qual se acendeu há seis séculos a estrela que devia brilhar imperecível no céu da Igreja, concedo de boa vontade, a cada um dos seus membros e ao seu venerado Pastor, a minha Bênção Apostólica, propiciadora de todos os desejados dons divinos.

Do Vaticano, a 7 de Setembro do ano de 1980, segundo de Pontificado.