quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Santas Alódia e Nunila, mártires de Huesca



     O Martirológio Romano dá como local de nascimento das Santas a cidade de Huesca, mas o célebre cronista do Rei Felipe II, Ambrósio de Morales diz que elas eram naturais de um povoado da Província de la Rioja, em Bañares, chamado Bosca, que alguns escreveram "Ósea" ou Huesca, um pouco distante da antiga cidade de Castroviejo, pequena vila à entrada da Serra de Cameros, e dá como local do martírio Nájera.
     Como era muito comum na Espanha, naqueles lamentáveis tempos em que ela estava sob o domínio maometano, Alódia e Nunila eram filhas de um maometano e de mãe cristã, matrimônios usuais então. O pai, um descendente dos visigodos, se tornara islamita passando a se chamar Ben Molit.
     A mãe, natural de Betorz, educou-as na Religião Católica, e embora crescessem em uma região ocupada pelos bárbaros, eram tão zelosas no cumprimento da Lei de Deus e tão piedosas, que atraiam a admiração de todos, e eram tomadas por modelo.
     Tendo seus pais falecido, um tio tomou-as sob sua tutela. Este era ferrenho maometano.
     O rei de Córdoba, Maomé, inimigo capital dos cristãos, publicou um edito pelo qual, sob pena de morte, obrigava os filhos de cristão e mouro a seguir a religião de Mafoma, e deixar a religião de Jesus Cristo. O tio, que por várias vezes tentara pervertê-las sem resultado, viu uma boa ocasião para renovar suas investidas. Tomando como pretexto o novo edito, fez de tudo para obrigá-las a seguir a lei que o pai professara. Elas, porém, repeliam sempre com firmeza e constância as tentativas do tio de convencê-las.
     Ele então delatou-as a Jalaf ibn Rasid, máximo poder muçulmano da região, que residia na cidade de Castroviejo, uma légua de distância de Bañares.
     Ordenou Rasid que Alódia e Nunila comparecessem no seu tribunal. Inspiradas pelo Espírito Santo, as jovens viram naquela convocação um sinal do combate a que eram chamadas e, para dar prova de sua fé e de sua fortaleza cristã, puseram-se a caminho, de Bosca a Castroviejo, descalças, alentando-se mutuamente.
     No tribunal, Rasid perguntou-lhes se a denúncia do tio era verdadeira, se seu pai era maometano. Nunila, que era a mais velha, respondeu: "Nós não conhecemos o nosso pai, que nos faltou quando ainda muito meninas; sabemos porém que a nossa mãe era cristã e que nos educou nesta santa religião que professamos e pela qual estamos prontas a perder a vida".
     Após várias tentativas de separá-las, e vendo que eram inúteis todos os esforços, Rasid perdoou-as e deixou-as voltar para casa, argumentando que eram muito jovens e mal aconselhadas, mas advertiu-as que, caso não se emendassem, mandaria decapitá-las.
     As jovens voltaram cheias de alegria por terem confessado a fé em Nosso Senhordiante do tribunal de um juiz infiel. Desejosas de dar testemunho das verdades de nossa santa religião vertendo seu sangue, resolveram desde então se preparar para sofrer o martírio. Dedicaram-se a fervorosas orações, rigorosos jejuns e assombrosas penitências, certas de que não demoraria muito tempo para oferecerem a Deus o sacrifício de suas vidas.
     O tio, que esperava ficar com as propriedades das jovens, observava a conduta delas. Notando que em nada mudavam e ostentavam a religião que professavam, delatou-as desta vez ao governador de Huesca, Zumayl.
     Zumayl chamou-as ao seu tribunal e insistiu com muito empenho que negassem Jesus Cristo, valendo-se de promessas vantajosas e de terríveis ameaças. Mas, vendo-as irredutíveis, deu ordem para que fossem separadas e entregues a famílias mouras de sua confiança, para que as persuadissem da obrigação que tinham de seguir, como filhas de pai maometano, a lei que ele professou, para se cumprir assim o decreto, sob pena de padecerem morte terrível.
     Por quarenta dias estas virgens insignes suportaram os mais tremendos assaltos dos infiéis, mas não esmoreceram e permaneceram sempre mais firmes na fé.
     Dois dias antes de seu glorioso martírio, Alódia, em profunda oração, foi vista pela filha de seu hospedeiro toda rodeada de luzes celestiais. Diante de tal maravilha, ofereceu-se para ajudá-la a escapar e salvar-se da morte. Alódia agradeceu a oferta, não a aceitou, mas rogou que a deixasse ver a irmã. Foi possível então às irmãs se encontrarem e se animarem reciprocamente a padecer por Nosso Senhor.
     O governador ficou sabendo que as tentativas de persuadi-las foram sem efeito. Tendo ordenado que elas comparecessem novamente à sua presença, redobrou as ameaças, dizendo-lhes que mandaria matá-las se não negassem a fé na Santíssima Trindade e na divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo. Elas responderam que estavam prontas a antes morrer do que negar Jesus Cristo.
     Encontrava-se em Castroviejo um péssimo sacerdote que havia apostatado do Catolicismo para viver impunemente nos seus vícios. Zumayl teve a idéia de servir-se daquele infeliz para perverter as duas castas jovens, entregou-as a ele e solicitou-lhe que as convencesse eficazmente. Ele usou de todos os sofismas para enredá-las, mas elas não seguiram seus ímpios conselhos. Vencido, o ímpio sacerdote comunicou ao governador a inutilidade de seus esforços.
     Enfurecido, o tirano deu ordem de as degolarem imediatamente.
     A primeira a se oferecer ao sacrifício foi Nunila. Ajoelhou-se, compôs os cabelos para receber o cutelo e corajosamente disse ao verdugo: "Eia, infiel, fere depressa!"Perturbado o carrasco errou o golpe, sem lhe cortar a cabeça, mas ferindo-a mortalmente. Seu corpo caiu por terra e, com os estertores naturais da morte os seus pés se descobriram.
     Alódia, sem se perturbar diante dos algozes, apressou-se em compor a roupa de sua irmã. Depois, colocou-se à disposição do algoz, mas antes amarrou aos pés as orlas de seu vestido, para evitar o que havia ocorrido com a irmã. Ajoelhando-se sobre o corpo de sua irmã, como em um altar, recebeu o golpe do verdugo.
     Segundo Morales, ambas receberam a palma do martírio no dia 22 de outubro de 851. Os corpos, que apesar de expostos aos abutres ficaram intactos, foram enterrados no bairro moçárabe. Mas, como à noite resplandecessem luzes no local em que as Santas foram enterradas, Zumayl mandou transladá-los para um poço profundo, junto a uma mesquita.
     O poço foi completado com terra e pedras enormes, a fim de apagar a lembrança das santas relíquias, e para que elas não pudessem ser encontradas pelos cristãos. Ainda hoje este poço existe, e junto a ele há uma fonte cristalina chamada Santas Alódia e Nunila, e uma ermida sob a invocação das Santas.
     Entretanto, todos os esforços dos infiéis foram inúteis: as luzes resplandeciam sobre o poço, ou aonde quer que as relíquias fossem ocultadas. E este prodígio continuava quando o Rei de Navarra, Dom Iñigo Jimenez, conquistou a província de la Rioja, subjugando os mouros.
     Dom Iñigo transladou os corpos das Santas para o Mosteiro de São Salvador de Leyre, onde ficaram expostos à grande veneração do povo, dignando-se Deus conceder muitos milagres pela intercessão das suas fiéis servas.
     Em 1097, D. Pedro I doou a mesquita ao Mosteiro de Leyre. Além de a mesquita ser consagrada como igreja, deveria ter a invocação de São Salvador, patrono de Leyre, das Santas mártires e de Santo Estevão, protomártir. A igreja desapareceu desde o século XVIII, mas a rua onde ela existiu ainda tem o nome de São Salvador.
     O culto das Santas mártires se espalhou por toda Espanha. A devoção chegou às terras andaluzas na época dos Reis Católicos, devido à conquista da cidade de Huesca. Por causa do desterro do último rei Navarro, Juan III de Albret, o conde de Lerin se refugiou em Huesca com um grande número de famílias navarras, as quais trouxeram consigo a devoção às Mártires.
     Inúmeras cidades espanholas possuem pequenos fragmentos de suas relíquias. No século XX, a devoção se estendeu a Madrid, Valência, Múrcia e Cornellà (Barcelona).