quarta-feira, 20 de junho de 2012

Santos Mártires de Tyburn

           
          Beato Guilherme Ireland
 
 
            Durante os dezessete anos que se seguiram à Restauração dos Stuarts, em 1660, os católicos da Inglaterra foram pouco molestados: no passado eles tinham dado abundantes provas de sua lealdade, e o rei Carlos II era no­toriamente favorável a eles. Mas, em 1678, as supostas revelações daquilo veio a ser conhecido como a Conspiração Papista, fizeram com que os te­mores da nação se elevassem a um alto grau de exacerbação.
       A primeira vítima da "conspiração" de Tito Oates foi o Beato Eduardo Coleman, um fidalgo de Suffolk. Era filho de um pároco anglicano. Foi para Peterhouse, em Cambridge, e, depois de sua conversão, se tornou secretário da duquesa de York. Era homem de grande talento, e uma con­trovérsia por ele travada com os dignatários anglicanos Stillingfleet e Bur-net provocou a conversão de Lady Tyrwhit. Um cronista protestante con­temporâneo se refere a ele como "um grande fanático de sua religião e ura intrometido. Isto o levou a engajar-se em muitos projetos de restauração do papismo entre nós, ou, no mínimo, de conquista da liberdade de consciência para os que professavam essa religião. Manteve correspondência com o Père Ia Chaise, confessor do rei da França, desde o ano de 1674, durante a qual tratou com ele de planos e projetos para promover os inte­resses do rei da França e da Igreja de Roma".
      Esta e uma outra correspondência vinda do exterior foram descobertas oportunamente, e Oates se serviu delas para acrescentar mais detalhes ã conspiração papal que ele inventara. Coleman foi preso juntamente com Sir Jorge Wakeman e muitos outros. Foi levado a julgamento na corte de Old Bailey, em 28 de novembro de 1678, sob a acusação de concordar com uma resolução de assassinar o rei e de recorrer à ajuda de uma potência estrangeira para restabelecer o catolicismo. As provas forjadas por Oates, referentes à primeira acusação, foram derrubadas, e Coleman explicou que sua correspondência visava apenas a levantar fundos no estrangeiro para levar a cabo os seus esforços de promover a causa de sua religião por meios constitucionais. O presidente do Supremo Tribunal de Justiça (Scroggs) quase não levou em conta as provas apresentadas por Oates e de seu cúm­plice Bedloe, e deu à confissão do preso uma formulação de tal natureza, que o implicava no crime de conspiração com uma potência estrangeira e no plano de matar o rei: "Embora esperasse obter a restauração do pa-pismo, através da dissolução do Parlamento, e a tolerância para a sua reli­gião, podemos supor que pelo menos seus cúmplices, senão ele próprio, empregariam outros meios, caso esse falhasse..." etc. Foi declarado cul­pado e condenado à pena de enforcamento, logo seguida de estripação e esquartejamento. Em 3 de dezembro declarou ele, em Tyburn, depois de negar sua participação em qualquer conspiração, que, como católico, rejei­tava a doutrina, "segundo a qual seria lícito matar o rei ou praticar outros atos semelhantes. Afirmo-vos que a abomino". E mais uma vez sustentou que era inocente de qualquer ação ilegal contra o Estado ou os indivíduos.
        O Beato Guilherme Ireland (também conhecido como Ironmon-ger) nasceu no Lincolnshire em 1636. Era o filho mais velho de Guilherme Ireland, de Crofton Hall no Yorkshire, de uma família de sentimentos for­temente regalistas e aparentada com os Giffards e os Pendrells. Guilherme, o jovem, fez seus estudos no colégio inglês de Saint-Omer, professou na Companhia de Jesus em 1673, e, depois de servir como confessor das Po­bres Clarissas de Gravelines por algum tempo, foi enviado para a missão em 1677. No ano seguinte, Tito Oates detonou sua conspiração, e, em 28 de setembro, o padre Ireland foi detido pelo próprio Oates, em uma casa de Londres que abrigava vários jesuítas e o embaixador espanhol. O Beato João Grove, o dono nominal da casa, mas, na realidade, doméstico dos clérigos que ali residiam, também foi preso.
        Depois de quase três meses de brutal encarceramento em Newgate, os dois foram levados a julgamento, juntamente com o Beato Tomás Whitebread e o Beato João Fenwiek (veja-se abaixo) e Tomás Pickering. Este último era irmão leigo beneditino do mosteiro de S. Jorge de Douay, com cerca de cinquenta e oito anos, e fora enviado para ali em 1665 como procurador dos sete beneditinos que serviam a capela da rai­nha Catarina de Bragança, mulher de Carlos II, em Somerset House, em The Strand. Quando os monges foram banidos, dez anos depois, ele teve permissão de ficar.
        Os cinco (três sacerdotes jesuítas, um irmão leigo beneditino e um leigo) foram acusados de tramar o assassinato do rei. Por falta de provas suficientes, o julgamento do padre Whitebread e do padre Femvick foi adiado para outra época (mas adiado ilegalmente, porque o processo já havia começado, e eles deveriam ser absolvidos). Dizia-se que a conspira­ção tivera lugar nos aposentos do Beato Guilherme Harcourt (veja-se abai­xo), e Oates e Bedloe juraram que Grove e Pickering tinham a incumbên­cia de executar a empresa pela qual o primeiro receberia 1.500 libras e o segundo trinta mil missas. Os exageros desta miscelânea consistiam na alegação de que os dois acusados haviam circulado pelo Parque de S. Tiago, portando pistolas, e que, em três ocasiões, só um contratempo, como a pederneira frouxa de uma pistola, salvou a vida do rei. Evidentemente, a acusação foi negada energicamente e Pinck declarou que em sua vida jamais disparara uma pistola. O padre Ireland não estivera em Londres na quinzena anterior à referida data, nem três semanas depois, quando teria supostamente participado dos planos da conspiração: estivera nos Middlands e no norte de Gales durante todo aquele tempo, e poderia apre­sentar cinco testemunhas em abono do que dizia. Mas uma mulher decidiu da sua vida, jurando que o tinha visto em Fetter Lane na data referida. Os três foram declarados culpados.
         O padre Ireland e Grove foram executados juntos, em Tyburn, no dia 24 de janeiro de 1679. O sacerdote falou em primeiro lugar, de cima do cadafalso, e o leigo resumiu, numa breve sentença, o que antes dissera: "Somos inocentes, e nos privam injustamente de nossas vidas. Rogamos a Deus que perdoe a todos os que são responsáveis por isto".
        O rei Carlos tinha feito tentativas débeis de lhes salvar a vida, porque estava convencido de que a conspiração "era inteiramente fictícia, e jamais lhe dera o mínimo crédito". A execução do irmão Tomás foi adiada até 9 de maio, dia em que também sofreu o martírio em Tyburn. Justamente quando estava sendo posto para fora da carroça, alguém do meio da mul­tidão o convidou a declarar-se culpado. "Puxando o seu gorro para cima e olhando os presentes com uma fisionomia inocente e risonha, perguntou-lhes: 'E esta a fisionomia de um homem que morre sob o peso de tão grande culpa?'" Era a fisionomia de um homem "do comum do povo, cujo género de vida era muito provavelmente o que menos se prestava àquela desesperada empresa de que ele era agora acusado".
        As suspeitas se voltavam de modo particular contra os membros da Companhia de Jesus, em 20 de junho do mesmo ano de 1679, cinco de seus padres foram executados em Tyburn. Entre eles se achava o provin­cial, que era o Beato Tomás Whitebread. Oriundo de boa família e natural do Essex, estudara no estrangeiro, no seminário de Saint Omer, e ingressara no noviciado jesuíta de Watten, em 1635. Depois de promo­vido ao sacerdócio, foi enviado à Inglaterra, onde trabalhou com fervor e com êxito, durante mais de trinta anos, ensinando pela palavra oral e es­crita, através de panfletos combativos. Um sermão dirigido a seus confra­des, em Liège, pouco antes de rebentar a perseguição, parecia indicar que ele tinha conhecimento prévio da sorte que o esperava. Ele tomara para esse texto as palavras: "Podeis beber do cálice que devo beber?", e, depois de enumerar uma por uma as provações que depois lhe sobreviriam, repetiu diversas vezes, em tom profundamente solene: "Possumus — Po­demos". Foi preso, ao voltar para a Inglaterra, e, embora estivesse doente e fraco, foi metido no cárcere e carregado de grilhões. Definhou no cala­bouço durante muitos meses, antes de ser levado a julgamento, juntamen­te com quatro companheiros, no tribunal de Old Bailey, em 13 de ju­nho de 1679.
       O Beato Guilherme Harcourt, ou Waring, cujo verdadeiro so­brenome era Barrow, era originário do Lancashire. Ingressou na Compa­nhia de Jesus com vinte e dois anos de idade, trabalhou durante trinta é cinco anos na Inglaterra e durante vinte anos pedira a Deus que lhe fosse concedida a coroa do martírio: sua oração foi atendida quando ele já contava mais de setenta anos.
       Natural do Norte e nascido em Durham, o Beato João Fenwick, também chamado Caldwell, era filho de pais protestantes, que o rejeitaram quando ele abraçou a fé católica. Foi estudar em Saint Omer e ingressou na Companhia de Jesus, em 1656, quando tinha vinte e oito anos de idade. Em 1675 foi enviado para a missão inglesa. Na época em que foi preso, uma ferida de que padecia se agravou de tal modo, que se chegou pensar seriamente em amputar-lhe a perna. Tinha cinquenta anos, quando foi con­denado ã morte.
      O Beaot João Gavan ou Gawen, nascera em Londres. Estudou em Saint Orner, e, depois de admitido na Ordem, aos vinte anos de idade, continuou seus estudos em Liège e Roma. Já havia trabalhado na Ingla­terra durante oito anos e feito numerosas conversões, quando foi preso.
       Como o padre Fenwick, também o Beato Antônio Turner era um convertido. Nasceu no Leicestershire, onde seu pai era clérigo protes­tante, e estudou na Universidade de Cambricige. Tornou-se católico depois de "bacharelar-se em Filosofia e passou para o Colégio Inglês de Roma. Aos vinte e quatro anos de idade ingressou no noviciado jesuíta de Watten. Depois de ordenado sacerdote, foi enviado à Inglaterra, onde trabalhou durante oito anos, tendo seu centro de atividades em Worcester. Foi um missionário fervoroso e bem sucedido. Sempre desejou o martírio, e, quan­do rebentou a perseguição, apresentou-se espontaneamente ao magistrado em Londres, declarando que era sacerdote e jesuíta.
        A acusação apresentada contra eles no processo era a de terem eles conspirado para matar o rei, e as imputações se baseavam exclusivamente nas afirmações de três homens inescrupulosos: Oates, Bedloe e Dugdale. Apresentaram-se várias testemunhas dignas de confiança em defesa dos réus, mas o processo era uma caricatura de justiça: o resultado já estava decidido de antemão. O padre Whitebread, no entanto, conduziu sua pró­pria defesa com grande vigor. Denunciou as acusações odiosas lançadas contra ele e seus confrades jesuítas. Quanto aos seus acusadores, mostrou que Oates havia sido ignominiosamente expulso de Saint Omer como um homem de vida irregular e era movido pelo rancor, enquanto Dugdale era um indivíduo igualmente infame. A terceira testemunha se contradisse fla­grantemente no tribunal e era palpavelmente culpável de perjúrio. Foi como um espectador ouvira comentar: "Se o julgamento fosse realizado por tur­cos, os presos teriam sido absolvidos". O presidente da Suprema Corte de Justiça estava de tal modo decidido a provar-lhes a culpabilidade, que pra­ticamente impôs ao corpo de jurados o veredicto que eles deveriam pro­ferir. Em seguida condenou-os à morte como réus de alta traição. No cada­falso, quando as cordas já estavam em torno cie seus pescoços, foi-lhes oferecido espontaneamente o perdão, caso confessassem sua participação na conspiração e revelassem o que sabiam a respeito da mesma. Respon­deram, agradecendo ao rei o perdão oferecido, mas se negaram a admitir qualquer participação em tal conspiração. Depois de executados, foram deixados suspensos, até que expirassem. Seus corpos foram, em seguida, baixados, esquartejados e entregues a seus amigos, que os sepultaram no cemitério contíguo à igreja de S. Gil, nas Campinas.
         Entre aqueles que Tito Oates acusava de terem tido conhecimento do plano e consentido na suposta conspiração para matar o rei, estava um advogado do tribunal de Inner Temple, o Beato Ricardo Langhorne. Descendia de boas famílias do Bedfordshire e Hertfordshire. e foi regis­trado como advogado do foro, em 1654. Era considerado um advogado de certa distinção e um homem probo e religioso. Esteve preso durante algum tempo, em 1667, depois do grande incêndio de Londres (que foi natural­mente imputado aos sofridos católicos ingleses); e quando Oates forjou sua "Conspiração", onze anos depois, Langhorne foi um dos primeiros a serem presos em sua casa, perto de Temple Bar, ou em seus aposentos, em Middle Temple Lane, e encerrado em Newgate. Foi mantido em confinarnento soli­tário durante oito meses, e levado a julgamento no tribunal de Old Bailey, um dia depois do Beato Tomás Whitebread e seus companheiros.
        Langhorne não teve dificuldade em provar que Oates, Bedloe e os de­mais estavam prestando falso testemunho, mas isto não impediu que fosse declarado culpado e condenado à morte. Mas sua execução foi adiada, a fim de que se pudesse persuadi-lo, mediante promessa de perdão, a reve­lar detalhes a respeito de uma propriedade possuída em nome dos jesuítas, e a confessar falsamente sua culpabilidade. Ele atendeu à primeira parte, certamente com a autorização de seu companheiro de prisão, que era o padre Whitebread, então provincial dos jesuítas, mas recusou-se a admitir a segunda. Ao invés disto, redigiu um pronunciamento que entregou ao xerife, para que fosse publicado. Nesse pronunciamento ele proclamava novamente sua inocência e sua lealdade para com o rei, e afirmava não ter dúvida de que fora acusado e condenado unicamente por causa de sua religião, e pedia a Deus que seus inimigos, e de modo particular Oates e Bedloe, se arrependessem e recebessem o perdão divino.
         O Beato Ricardo Langhorne foi executado em Tyburn, a 14 de julho de 1679. No cadafalso ele perdoou espontaneamente ao seu carrasco, e suas Ultimas palavras foram: "Jesus, Santíssimo, em tuas mãos entrego minha alma e meu espírito. Recebei-me agora, neste instante, no paraíso. Desejo estar com meu Jesus. (B dirigindo-se ao carrasco): Estou pronto; já não precisas mais de esperar por mim".
        O Beato João Plesington (ou Guilherme Pleasíngton, ou também Scarisbrick) era um padre secular que, no pânico produzido pela "conspi­ração", foi condenado por causa de seu sacerdócio e executado em Chester. Nascera em Dimples, perto de Garstang, no Lancashire, e fez seus estudos superiores no Colégio Inglês de Valladolid. Quase nada mais se sabe a res­peito dele, exceto que exerceu seu ministério sacerdotal em Holywell, no Flintshire. As palavras que dirigiu ao povo do alto do cadafalso são dignas de nota, como um pronunciamento particularmente claro e como um des­mentido, no momento da morte, das acusações que o levaram à condena­ção: acusações que ainda hoje se levantam, algumas vezes, contra os már­tires católicos dos séculos XVI e XVIII, algumas das quais, se fossem verdadeiras, fariam deles, não mártires, mas criminosos comuns. Mostram-nos também que tipo de testemunhas eram apresentadas contra eles. O pronunciamento foi impresso, de acordo com um costume que só se extin­guiu com as execuções em público, e posto em circulação. Isto muitas vezes proporcionava ao preso a possibilidade de alcançar um público mais amplo do que aquele que o tempo ou a licença concedida para pronun­ciá-lo em voz alta lhe permitiam. O pronunciamento impresso do Beato João Plesington conservou-se até nossos dias e pode ser lido nas Memoirs of Missionary Priests de Challoner. Declara ele que o desenrolar de seu processo mostrou que fora condenado tão-somente por causa de seu sacer­dócio, e que a fé católica não ensina "que o papa tem o poder de depor ou de dar permissão para assassinar príncipes", e termina com essas pala­vras: "Deus abençoe o rei e a família real, e conceda à sua Majestade um reinado próspero, aqui na terra, e uma coroa de glória depois desta vida. Deus conceda a paz aos seus súditos, e que vivam e morram na verda­deira fé, esperança e caridade. Agora resta-me apenas recomendar-me ã misericórdia de meu Jesus, por cujos méritos espero alcançar o perdão. Ó Jesus, sede um Jesus para mim". Enquanto dizia isto e recomendava a Deus sua alma prestes a partir, foi interrompido e executado. Era o dia 19 de junho de 1679.
         O Beato Tomás Thwing (ou Thweng) era parente do Venerável Eduardo Thwing (executado em Lancaster no ano de 1600), tio de Jorge Thwing, de Kilton Castle e Heworth Hall, pai de Tomás, que o teve com sua mulher Ana Gascoigne, irmã do intrépido católico Sir Tomás Gascoigne, de Barnborough Hall. Tomás nasceu em Heworth, na Ríding setentrional do Yorkshire, em 1635, e foi enviado de Douay, como sacerdote, para a sua terra natal, quando contava vinte e nove anos de idade. Foi primeiramente capelão dos Stapletons, seus primos, em Carlton Hall; depois dirigiu uma escola na residência da viúva Stapleton, curiosamente chamada "Quosque", e, por último, em 1677, tornou-se capelão das monjas do Instituto de Maria de Dolebank, Thwing, onde três de suas irmãs faziam parte da comunidade.
         Na época da "Conspiração" de Oates, dois homens, chamados Roberto Bolron e Lourenço Maybury, que haviam sido demitidos do serviço de Sir Tomás Gascoigne por desonestidade e "diversas vilanias", procuravam tirar vingança, envolvendo Sir Tomás na suposta Conspiração. Por isto declara­ram que Barnborough Hall fora usada por Gascoigne, Sir Miles Stapleton, Lady Tempest e outros, como lugar de encontro para apressar os planos da Conspiração, e todas as pessoas apontadas, como também Tomás Thwing, que não fazia parte da lista, foram levados para Londres, a fim de serem submetidos a julgamento. Todos estes acusados foram devidamente absol­vidos (havia um limite para a credulidade dos jurados, mesmo naqueles tempos insensatos), mas Thwing foi mantido sob custódia e enviado de volta a York, para ser julgado ali.
         Apesar de ter impugnado a lista dos jurados, ele não conseguiu um corpo de jurados imparciais e foi declarado culpado, com base precisa­mente nos testemunhos que levaram os outros à absolvição. Em considera­ção ã sua origem nobre, ele foi retirado da companhia dos criminosos co­muns, para ouvir a sentença de sua condenação, à qual respondeu com três palavras: "Innocens ego sum" — "sou inocente". Mas diante de uma reclamação da Casa dos Comuns, o rei Carlos adiou a sua execução. Tomás Thwing foi, pois, enforcado e esquartejado em York, no dia 23 de outubro de 1680. Foi arrastado dentro de uma jaula de madeira até o cadafalso, passando em frente da casa em que moravam suas irmãs e outras freiras às quais ele servira de capelão; e, antes que a sentença fosse executada, ele falou ao povo reunido, declarando que se gloriava de ser padre e invo­cando a Deus como testemunha de que era inocente da acusação feita con­tra ele. "Embora eu saiba que os negócios do reino não correm bem, es­pero no entanto, que em breve se aclarem e, então, conhecer-se-ão melhor os seus atores", concluiu ele. Seus parentes recuperaram seu corpo muti­lado e o sepultaram no cemitério anexo à igreja de S. Maria, Castelgate, na cidade de York. É natural que algumas de suas relíquias se conservem no convento do Instituto de Maria de The Bar, na mesma cidade.
             Tomás, conde de Arundel (colecionador dos "Mármores de Arundel"), era filho e herdeiro do Beato Filipe Howard e submeteu-se à Igreja Angli­cana em 1615, pouco depois do nascimento do seu quinto filho, Guilherme. Este, embora educado pelo bispo de Norwich e no Colégio de S. João de Cambridge, foi criado como católico. Foi feito cavaleiro da cidade de Bath, aos quatorze anos de idade, por ocasião da coroação de Carlos I, e em 1637 casou-se secretamente com Maria Stafford, católica e irmã do último barão Stafford. Três anos depois, Carlos transferiu o baronato para Sir Guilherme Howard e, logo em seguida, o elevou à dignidade de visconde. Sir Guilherme era um servidor fiel e leal, se não ilustre, do rei, e tanto Carlos como o imperador Fernando III lhe confiaram missões de responsa­bilidade no continente, onde ele pôde satisfazer o gosto, herdado do pai, por coleções de obras de arte. Depois da morte do conde, em 1646, Lorde Stafford se envolveu em longas e acirradas disputas e litígios com o irmão mais velho sobrevivente, o conde Henrique Frederico, e, em seguida, com seus sobrinhos. Nessas disputas parece que se comportava com bastante mesquinharia, mesmo quando o direito estava do seu lado, confirmando, assim, o comentário de Evelyn: "Lorde Stafford não era benquisto, espe­cialmente no seio de sua família". Parece que gostava de litígios (em 1655 tinha processos em andamento em Douay, Bruxelas e Amsterdam), mas Dom Mauro Corker, que foi seu confessor na prisão da Torre, afirma que ele "sempre foi tido como generoso, muito caridoso, piedoso, amigo da sobriedade, incapaz de ofender quem quer que fosse com suas palavras e amante da justiça". Suas propriedades confiscadas lhe foram restituídas na Restauração, e ele viveu em paz, na abundância e na felicidade, abençoado com urna mulher virtuosíssima e com muitos filhos, continuando, assim, até aos sessenta e sete anos de idade".
         Quando Tito Oates "revelou" os detalhes da "Conspiração Papista" perante a Câmara dos Comuns, foi atribuída a Lorde Stafford a função de tesoureiro do exército que deveria invadir a Inglaterra, e imediatamente expediram-se ordens de prisão contra ele e outros quatro pares do Rei­no. Quando soube disto, Stafford, que se achava fora da cidade, voltou imediatamente para Londres, onde foi preso e lançado na prisão de King's Bench. Dali foi transferido, com outros, para a Torre. Somente dois anos depois, em novembro de 1680, foi levado a julgamento (fora introduzida uma cláusula na lei do Habeas Corpus do ano anterior, retirando dela o efeito retroativo), e foi o primeiro dos cinco lordes a ser julgado. Seu jul­gamento durou uma semana inteira e foi realizado perante a Câmara dos Lordes, reunida em Westminster, sob a presidência do Lorde Chanceler Finch na qualidade de mordomo-mor. Diversos "manipuladores de provas" que atuavam nos tribunais apresentaram como testemunhas certos patifes como Dugdale, o ex-dominicano irlandês Dennis, o padre apóstata Smith, Turberville e o próprio Oates, mas Stafford estava muito surdo para poder ouvir adequadamente tudo o que estes perjuros diziam a respeito dele: Só gozava do benefício de consulta em questões de Direito. Contudo, embora "considerado mais fraco do que os demais presos da Torre", escreve Sir John Reresby em suas memórias, "e tivesse sido levado, de propósito, em pri­meiro lugar, desenganou-os, defendendo maravilhosamente bem sua causa", Mas foi tudo em vão. Se o absolvessem, os Lordes estariam reconhecendo abertamente que a confissão não passava de um simulacro, e, ao pronun­ciarem seu voto, trinta e um deles o declararam inocente e vinte e cinco, culpado". Depois de um discurso cheio de ofensas e de calúnias contra os católicos, o mordomo-mor condenou o velho preso à morte por enfor­camento, seguida de estripação e esquartejamento. O rei desaprovou tanto o veredicto como a condenação, mas tudo o que pôde fazer foi mudar a forma da execução para degolamento.
              Passou as três semanas que precederam à execução, escreveu Dom Mau­ro Corker, que pôde visitar Lorde Stafford, principalmente "em séria re­flexão e fervorosa oração, na qual parecia encontrar quotidianamente cada vez mais coragem e conforto, como se a Bondade Divina quisesse amadu­recê-lo para o martírio e dar-lhe um antegosto do céu". Escreveu seu testa­mento, do qual existem sete cópias, onde ele afirma: "Considero o assassi­nato de um soberano um pecado maior do que qualquer outro depois da Paixão de nosso Salvador", e exprime, em termos comoventes, sua pronti­dão em deixar sua "digníssima esposa e seus filhos obedientíssimos", quan­do Deus o chamasse. "Recebei, portanto, amantíssimo Jesus, esta oblação voluntária". Escreveu breves mensagens a seus filhos e uma carta extrema­mente amorosa a sua mulher, no dia de S. Estêvão, e ainda uma outra, também dirigida a ela, antes de se vestir, na última manhã de sua vida, em 29 de dezembro de 1680. Certas pessoas pagaram um guinéu por assentos desconfortáveis só para verem este homem morrer no Tower Hill (Co­lina da Torre). Ao pé do cadafalso ele declarou solenemente que era ino­cente e expressou sua convicção de que fora denunciado por causa de sua religião. Em seguida rezou, em latim, com os amigos que estavam ã sua volta e disse para a multidão: "Deus vos abençoe, senhores! Deus guarde sua Majestade! Tem um bom príncipe que vos tem governado. Obedecei-lhe com a mesma fidelidade com que eu o fiz!" E muitos gritaram: "Nós acreditamos em ti. Deus te abençoe, meu Senhor!" Retirou, então, sua pe­ruca e a substituiu por um gorro azul de seda, fez o sinal-da-cruz e foi decapitado. O carrasco era um enforcador e não estava acostumado com o machado. Levantou-o e abaixou-o duas vezes em seguida, antes de des­ferir o golpe mortal. Chamava-se ele Jack Ketch.
         Não se sabe onde está sepultado o corpo do Beato Guilherme Howard. A proscrição em que incorreu foi revogada, em 1824, em favor de Sir Jorge Guilherme Stafford Jerningham, que se tornou, então, o oi­tavo barão de Stafford.
         Todos os mártires acima referidos foram beatificados pelo papa Pio XI em 1929. Outros mártires que padeceram na Conspiração de Oates e foram beatificados no mesmo ano com muitos outros, são mencionados em 11 e 22 de julho e em 22 e 27 de outubro. Aqueles de que tratamos acima se acham reunidos nesta data de 20 de junho e formam o maior grupo, cons­tituído pelo Beato Tomás Whitebread e seus companheiros.