São Clemente, natural de Roma, era discípulo de São Pedro e
São Paulo. Acompanhando a este nas viagens evangelizadoras, com ele dividiu as
fadigas, sofrimentos e perseguições da vida apostólica. É a ele que o Apóstolo
dos Gentios se refere, quando na Epístola aos Filipenses (4,3) diz:
"Peço-vos que auxilieis aqueles também que, como Clemente e outros, comigo
trabalharam, cujos nomes estão inscritos no Livro da Vida". Estas palavras
lhe documentaram a dedicação e fé, o zelo pelas causas de Deus e das almas. Se
a mansidão e caridade lhe mereceram o nome de clemente, foi sem dúvida pela atividade
apostólica, que São Pedro lhe conferiu a dignidade episcopal.
Os primeiros sucessores de São Pedro, na Sé apostólica e no
martírio, foram São Lino e Anacleto (São Cleto). Na quase certeza de perder a
vida por Jesus Cristo e a Igreja, São Clemente assumiu o governo da Barca de
São Pedro em 92. Eram tempos cheios de apreensões para a jovem Igreja. A
Autoridade romana ameaçava com uma nova perseguição e no seio da Igreja mesma
reinavam dissenções, que prometiam degenerar em cisma. Era principalmente a
Igreja de Corinto o teatro de graves perturbações. Os ânimos estavam
irritadíssimos e tudo indicava a iminência de uma cisão, provocada — assim se
acreditava geralmente — pelas paixões que predominavam numa eleição episcopal.
São Clemente dirigiu aos Coríntios uma carta apostólica em que documenta ao
mesmo tempo grande circunspecção, prudência, caridade e firmeza. Tão boa
aceitação teve esta carta, que não só em Corinto, mas também em todas as
Igrejas era lida durante muitos anos, juntamente com as epístolas dos
Apóstolos.
Dividindo a cidade de Roma em sete distritos, determinou
para cada distrito um advogado, com a incumbência de ativar conscienciosamente
tudo que se relacionava aos cristãos, suas virtudes, os processos judiciários a
que haviam de responder, o modo como se haviam perante a autoridade perseguidora, declarações públicas que
faziam, o martírio e a morte. Estes protocolos, chamados atos dos mártires,
eram lidos nas reuniões dos fiéis. Ao zelo apostólico do Santo Papa abriram-se
as portas do próprio palácio imperial. Domitila, irmã do imperador Domiciano,
cuja ferocidade contra os cristãos era conhecida, se converteu à Religião de
Jesus Cristo. Ainda mais: exemplo foi de todas as virtudes e para os cristãos
perseguidos, um anjo de caridade, naqueles tempos aflitivos.
O imperador Trajano, vendo na propagação da religião cristã
um perigo social e religioso para o império e reconhecendo no Papa rival
temível, citou-o perante o tribunal e com ameaças de morte exigiu-lhe a
abjuração da fé e o culto dos deuses nacionais. São Clemente não hesitou nem um
momento e na presença da suprema autoridade romana, fez uma profissão de fé
belíssima, que não deixou o imperador em dúvida sobre a improficuidade do seu
tentâmem. Aconteceu o que era de esperar: O Papa foi condenado à morte. O
Breviário Romano, diz que o santo Papa foi, com muitos cristãos, desterrado
para a península da Criméia, onde haviam de trabalhar nas pedreiras e minas. Se
para Clemente era um consolo poder partilhar a escravidão com seus filhos em
Cristo, estes mais facilmente se conformavam com a triste sorte, vendo junto de
si o Pai querido, o representante de Deus na Terra.
O que mais atormentava os pobres cristãos, era a falta
absoluta de água, no lugar onde trabalhavam. Muito penoso era o transporte
deste precioso líquido, que só se achava na distância de seis milhas. Clemente
pediu a Deus que se compadecesse do povo, como se compadecera dos israelitas no
deserto. Terminada a oração, viu no alto duma montanha um cordeirinho que, com
a pata direita levantada, parecia indicar um determinado lugar. O santo Papa
dirigiu-se imediatamente ao lugar onde lhe aparecera o cordeirinho e com uma
enxada pôs-se a cavar a terra. Qual não lhe foi a alegria, quando logo ao
primeiro golpe, viu brotar água, água deliciosa e tão abundante que, desde
aquele dia teve termo a aflição dos cristãos. Estes milagre não só contentou a
estes; também os pagãos que, vendo em Clemente um enviado do Céu, a ele se
dirigiram pedindo fossem aceitos como catecúmenos. Assim muitos idólatras se
tornaram adoradores de Jesus Cristo e os templos pagãos, antes antros do mais
abjecto culto diabólico, transformaram-se em igrejas cristãs. Este espetáculo
grandioso perante Anjos e homens despertou naturalmente o ódio nos corações dos
sacerdotes pagãos, que se apressaram em denunciar Clemente.
A resposta imperial não se deixou esperar. O governador
Aufidiano, autorizado por Trajano a pôr um dique à propaganda cristã, custasse
o que custasse, condenou à morte Clemente e intimou os cristãos a que
abandonassem a religião de Cristo. Algemado, foi Clemente levado a um navio,
que o transportou ao alto mar. Lá chegado, puseram-lhe uma âncora de ferro ao
pescoço e precipitaram-no na água. Isto aconteceu a 23 de novembro do seu
último ano apostólico. Os cristãos consternados pela perda do seu Pastor, pediram
a Deus que não deixasse o corpo do mártir entregue ao jogo das ondas, mas que
restituísse ao carinho e à veneração dos filhos espirituais.
Aufidiano e sua gente mal se tinham afastado, quando o mar
espontaneamente, retrocedeu a uma distância de três milhas, até o lugar onde
tinha sido mergulhado o corpo do santo Papa-Mártir. O mais que aconteceu, foi
de todo extraordinário. Aos olhos pasmados dos cristãos apresentou-se um
pequeno templo de mármore branco. Pressurosos correram para lá e, chegando ao templo,
nele encontraram o corpo de São Clemente, colocado num ataúde, tendo ao lado a
âncora pesada. Quando se dispuseram a retirar suas santas relíquias, Deus
manifestou sua vontade, que não o fizessem; que o deixassem repousar no mesmo
lugar e que o mar, anualmente, durante sete dias, franqueasse o acesso ao
túmulo. Assim aconteceu. As relíquias de São Clemente ficaram no fundo do mar,
guardadas por santos Anjos, até o século IX, quando, sob o governo do Papa
Nicolau I, os santos missionários Cirilo e Metódio as trouxeram para Roma, onde
foram depositadas na Igreja de São Clemente, onde se acham até agora.