quarta-feira, 10 de abril de 2013

São Miguel dos Santos, presbítero


    
       São Miguel dos Santos, pertencente à Ordem Trinitária e apelidado de o “estático” por causa dos freqüentíssimos arrebatamentos aos quais estava sujeito, nasceu no dia 29 de setembro de 1591 em Vich, na Catalunha (Espanha), era o sétimo dos oito filhos que Henrique Argemir teve de Margarida Montserrat, ambos de nobre prosápia, mas decaídos da primitiva grandeza. À fonte batismal lhe foi imposto o nome de Miguel. 
         O pai, tabelião e conselheiro da municipalidade, antes de se dedicar ao seu trabalho ia para escutar toda manhã a Missa com os filhos mais crescidos e à noite recitava em casa, com os criados e os familiares, o terço. Miguel, dotado de excelente índole e de precoce inteligência, aprendeu dos pais a elevar cedo a mente e o coração a Deus, a obedecer também ao preceptor, a ser paciente com os irmãos, serviçal com os companheiros e caridoso com os infelizes.
         Desde criança o santo demonstrou um invencível horror ao pecado e um vivo desejo de vida penitente. Divertia-se construindo altarzinhos, cantando louvores sagrados ou repetindo as cerimônias litúrgicas que tinha visto realizar-se na igreja. Passava longo tempo do dia no oratório doméstico onde conduzia outros menininhos aos quais recomendava serem bons e obedientes.
         Mais de uma vez foi surpreendido chorando, enquanto beijava o crucifixo, agachado num cantinho solitário. À leitura da vida dos santos anacoretas, teve a idéia de se retirar para fazer vida eremítica na gruta de Montseni, nos arredores da cidade, junto com alguns companheiros afervorados por seu zelo. O pai, naturalmente, se opôs. Permitiu-lhe somente observar o jejum quaresmal três vezes por semana, e de distribuir aos pobres quanto subtraía às refeições. Miguel adaptou também às suas costas uma cruz de madeira e começou a passar a noite acomodado, com freqüência, sobre uns sarmentos com uma pedra abaixo da cabeça. Açoitava-se com correias, e um dia, enquanto os seus familiares vindimavam, avançou num bosque para revolutear-se numa sarça de espinhos pela irresistível necessidade que sentia em sofrer “por amor a Jesus e à imitação de São Francisco”.
         O desejo de levar uma vida retirada e crucificada induziu Miguel a bater às portas dos conventos de Vich. Foi por todos rejeitado por causa da tenra idade. O que fazer? Decidiu emitir, apesar de ter somente nove anos, o voto de virgindade, na igreja das Dominicanas de Santa Clara. Mereceu, com tal gesto, ser livrado por toda a vida das tentações de impureza.
          Aos quatro anos Miguel tinha ficado órfão de mãe; aos onze ficou órfão também de pai. O tutor lhe fez interromper os estudos para empregá-lo como garçom num comércio. Tanto ele como seus irmãos não queriam que abraçasse a vida religiosa porque, para eles, não convinha ao decoro da estirpe. Guiado pelo Espírito Santo, em 1603 fugiu para Barcelona a pé, com a esperança que o Senhor teria guiado os seus passos. Às portas da cidade uma pobre mulher teve compaixão dele e ofereceu-lhe hospitalidade. No dia seguinte foi para escutar a Missa na igreja mais perto, que era a dos Trinitários. Enquanto rezava, Deus lhe fez compreender que o queria entre aqueles religiosos. No começo foi acolhido como coroinha. Vestiu o uniforme branco dos Trinitários somente no mês de agosto de 1604.
      Desde aquele dia Miguel fez consistir a essência da vida religiosa não apenas nos jejuns, nos cilícios e nas vigílias, como na abnegação da própria vontade. Durante o noviciado era tão virtuoso que foi apontado como modelo também aos religiosos mais velhos. Ao toque de levantar da meia noite para rezar as Matutinas foi sempre encontrado desperto. Diz a tradição que uma noite apareceu-lhe Nossa Senhora e ofereceu-lhe um lírio. Encontrava o seu prazer em servir o maior número possível de Missas. No altar parecia um serafim e após a comunhão permanecia absorto. Às vezes, transbordando de alegria, passava a correr pelo jardim, exclamando: “É tão violento o ardor interno, que se não lhe abrisse uma saída, ficaria queimado”.
        Pela vivacidade da inteligência e a dedicação ao estudo, Miguel, bem antes de emitir a profissão, foi enviado para o convento de São Lamberto, nos arredores de Zaragoza, para que freqüentasse aquela célebre universidade. No século XVI, sob o influxo do Concílio de Trento, também a Ordem dos Trinitários tinha sido reformada pela obra de São João Batista da Conceição (1561-1613) com a aprovação do papa Clemente VIII. 
          Depois da profissão religiosa (1607), frei Miguel, sedento de perfeita abnegação e de rígida penitência, pediu para passar à estreita observância. Tendo-lhe sido concedido aquele favor, dirigiu-se a pé, no inverno, a Pamplona, para vestir em Oteiza (1608), nos arredores da capital de Navarra, o tosco saio dos Trinitários Descalços. Após alguns dias foi enviado a Madri para o ano de noviciado. Em Alcalá emitiu a profissão religiosa e em La Solana aperfeiçoou-se nos conselhos evangélicos através de um segundo tirocínio exigido pelas Constituições.
          Foi então que Deus começou a favorecer o seu servo com dons extraordinários. Um dia, enquanto encontrava-se com os seus confrades em recreio fora do convento e discutia com eles sobre o paraíso, de repente deu um grito, voou como uma flecha sobre uma plantação de cevada e foi pousar-se perante o tabernáculo, onde permaneceu longamente extasiado. 
         Desde aquele dia os gritos improvisos, os arrebatamentos e os êxtases repetiram-se frequentemente na igreja, no refeitório, pela estrada, apesar da formal proibição dos superiores para não perturbar o sossego do convento. Para fazê-lo sair dos sentidos era suficiente falar-lhe da Santíssima Trindade, da Eucaristia, da Paixão do Senhor, da Santíssima Virgem. Uma quinta-feira santa, depois de ter elevado os olhos para um grande crucifixo fora do refeitório, deu um grande grito e arremessou-se para abraçá-lo. 
       Não sempre conseguia subtrair-se àqueles impulsos do Espírito Santo, e então arrastava consigo o objeto ou o confrade ao qual se agarrava. O seu Ministro Provincial, frei Francisco de Sant’Ana, o enviou a Sevilha para ter com o Padre Hernando Mata, experto mestre de espírito, para que o examinasse. O piedoso sacerdote declarou não ter conhecido em sua vida alma mais cândida e mais inflamada de amor divino como frei Miguel dos Santos. Confirmando tal opinião, exatamente naquele tempo Jesus concedeu ao seu servo fiel, absorto em oração, o singularíssimo privilégio da substituição do coração com o seu. 
         No mês de outubro de 1611, frei Miguel foi enviado a Baeza para estudar filosofia e, após três anos, à Universidade de Salamanca para estudar teologia. Certo dia, enquanto um sacerdote agostiniano entremostrava, na sala de aula, a gratidão devida ao Sangue Preciosíssimo de Jesus pelos homens, o santo lançou-se ao alto e permaneceu uns vinte minutos suspendido sobre as cabeças dos alunos com os braços abertos e os olhos dirigidos ao céu. Por isso, acorria continuamente ao convento pessoas ávidas de consultar o santo estudante.
      Durante o carnaval, para impedir tantos escândalos, concebeu um projeto audaz. Junto com seus confrades vestidos como penitentes, flagelando-se sem piedade, tendo nas mãos uma caveira e na cabeça uma coroa de espinhos, dirigiu-se à praça pública, em meio ao estupor das pessoas.  Um pregador subiu, então, sobre um banco para lembrar aos gozadores da vida a vaidade dos prazeres mundanos. De repente, frei Miguel deu um formidável grito, levantou vôo até o crucifixo que encabeçava o cortejo e, por quinze minutos, permaneceu suspendido no ar, em êxtase.  É inútil dizer que, a tal prodígio, o festim carnavalesco mudou-se em uma procissão de penitência. 
        Concluídos os estudos, frei Miguel foi ordenado sacerdote em Faro (Portugal) em 1615. Havia desejado tanto aquele dia porque permitia-lhe receber cotidianamente Jesus Sacramentado. Para exercer o sagrado ministério foi enviado a Baeza. Em 1622 foi nomeado ministro do convento de Valladolid, não obstante que se reputasse indigno e incapaz. Frei Miguel foi um religioso perfeito. Sobretudo a sua obediência aos superiores foi sempre pronta, alegre e sem reservas também quando lhe proibiam entrar em êxtase ou lhe mandavam alimentar-se como todos os outros, preocupados com sua saúde. 
       O Senhor, que não o queria naquele caminho, permitiu que piorasse realmente, motivo pelo qual, após continuadas provas, os superiores permitiram-no continuar alimentando-se com um pouco de pão, com alguns cachos de uva seca ou com um bocado de salada somente a cada três dias. Às vezes chegou a prolongar o jejum absoluto até duas semanas. Não saboreou outra bebida a não ser água. Passava até semanas inteiras sem beber. A língua se lhe transformava, então, numa espécie de sobreiro, mas, ao invés de matar a sede, frei Miguel era capaz de ir até o chafariz somente para aumentar o espasmo da sede ao contemplar a água fresca. A quem o exortava para se nutrir, respondia brincando: “O meu cozinheiro é Deus”.
        Amantíssimo da pobreza evangélica, frei Miguel considerou-se feliz mesmo quando lhe faltou o necessário. Pode-se dizer que nada possuía, nada desejou, nada usou como próprio. Por diversos anos repousava um pouco no sótão do convento e somente nos últimos anos aceitou, por obediência, um cobertor consumpto. Tinha à disposição só um hábito, deixado de lado pelos outros religiosos e remendado por si mesmo. Jamais se conseguiu fazer-lhe vestir hábitos novos, apesar de que lhos oferecessem para ganhar e guardar aquele por ele usado.
        Em sua incomparável humildade frei Miguel dizia que era capaz somente de rezar. Pelo contrário, quando foi eleito Ministro do Convento de Valladolid, deu prova de grande habilidade ao afrontar a construção de uma nova igreja sem recursos. Aos seus religiosos a obra pareceu insensata, mas ele os tranquilizou dizendo: “Se formos bons, mesmo se trancarmos a porta, o Senhor nos lançará o necessário pelos muros da horta”.
       Inflexível ao exigir a observância das regras, sabia, porém, torná-la amável e jubilosa, como sacrifício feito a Deus, sem considerações humanas. O único escopo de sua vida foi de conformar-se à vontade d’Ele “querendo – dizia – não somente aquilo que Deus quer, mas aquilo que Deus quer que eu queira”. Tinha assim alcançado tal união com a Santíssima Trindade que não sabia se comia, se bebia, se dormia ou se caminhava.
          Interrogado pelo Ministro Provincial sobre quantas horas por dia dedicava à oração, respondeu com simplicidade: “Eu rezo sempre”. De noite descansava apenas duas horas no chão, agachado sobre um banquinho com o rosto entre as mãos. “O meu bom Deus – dizia – me acorrenta e não me deixa dormir”. Habitualmente a sua Missa durava duas horas, por causa dos frequentes arrebatamentos aos quais estava sujeito. Todavia a igreja estava sempre muito cheia de fiéis. 
        Uma vez, à elevação do cálice, permaneceu elevado no ar por quase meia hora, e outra vez, tendo permanecido com os braços abertos em forma de cruz, não se deu conta que a chama de uma vela queimava-lhe a mão direita. Mais de uma vez foi visto emanar da sua pessoa um celestial esplendor e fulgurar-lhe ao redor da cabeça uma auréola de glória que deslumbrava a vista. O incêndio espiritual do amor divino se refletia no corpo com tal calor que não conseguia controlar-se. Um dia, enquanto discutia com o pároco de Marmel sobre o mistério da Santíssima Trindade, onde tinha ido para pregar, do seu peito jorrou algo como um vulcão de chamas resplandecentes. Admirado, o pároco quis abraçá-lo, mas caiu desmaiado por terra pela grandeza do calor e do fulgor daquela chama.
         O apostolado de frei Miguel não se limitou à oração pelos pecadores, à penitência rigorosa, às conversações particulares ou ao ministério das confissões, mas se afirmou vigorosamente também no púlpito. Aos fiéis falava, sobretudo, do amor de Deus aos homens e do mistério da Eucaristia, sem cair nas pomposidades de seu tempo histórico. Para salvar até mesmo uma só alma estava disponível a tolerar infinitas labutas. Os contínuos êxtases, que o surpreendiam bem no meio das pregações, turbavam-lhe as alegrias procuradas por tal apostolado. De vez em quanto protestava: “Se desta vez me acontecer a mesma ‘desgraça’, não subirei jamais ao púlpito”. Todavia, a cada convite, era incapaz de resistir à manifesta vontade de Deus para o bem do povo.
        Nobres e plebeus, ricos e pobres, eclesiásticos e seculares, acorriam a ele como a um oráculo para todas as suas necessidades, sem jamais ficar desiludidos, pois Deus tinha concedido a frei Miguel o dom de perscrutar os corações, de predizer eventos distantes e futuros, de sarar os enfermos com a simples imposição das mãos, com um sinal de cruz ou com a leitura de um trecho do Evangelho. Porém, não obstante tudo isso, o santo considerava-se “um miserável, um ingrato, uma terra estéril, incapaz de fazer frutificar os dons recebidos do céu”. Era-lhe, portanto, de grande confusão ouvir-se chamar por todos “o santo”, ver as pessoas ajoelhar-se diante dele e procurar beijar-lhe a ponta do hábito.
       Enquanto era pároco em Baeza, em uma conversação entre amigos sobre a morte inexorável e a felicidade do céu, frei Miguel tinha exclamado improvisamente: “O Senhor na sua infinita misericórdia me fez conhecer que preciso trabalhar e pregar muito, até os trinta e três anos; então me chamará a si quando eu for Ministro do Convento de Valladolid”. 
         Ao aproximar-se do tempo de sua morte, confirmou a penitentes e a confrades que morreria à idade do Senhor. Na segunda-feira de Páscoa de 1625 foi, de fato, constrangido a ficar de cama por causa de uma febre violenta que o pegou no momento em que pregava. Viveu ainda dez dias em uma contínua oração. 
         A quem perguntou-lhe quais graças desejava alcançar, respondeu: “Peço ao Senhor sobretudo para sofrer os tormentos e as penas que os mártires e os santos sofreram e sofrerão até o fim do mundo, e depois que se forme uma só chama de amor do qual ardem os beatos e os espíritos celestes e me consome o coração”. Um confrade lhe perguntou se temia a morte. Respondeu-lhe: “Perturba-me somente o pensamento de morrer em um lugar onde se tem muita estima de mim, que sou um miserável”.
       Faleceu no dia 10 de abril de 1625, após ter beijado o crucifixo e exclamado, levantando os olhos ao céu: “Creio em Deus, espero em Deus, amo Deus!”. Logo que se espalhou a notícia de seu falecimento, uma enorme multidão amontoou-se perante a porta do convento gritando: “Queremos ver o santo”. 
         Foram assim numerosos aqueles que desejavam ter um pedacinho do saio do defunto como relíquia, que seus confrades precisaram revesti-lo com outro saio por até três vezes. Pouco depois do enterro de frei Miguel foram verificados cinquenta milagres, recebidos de Deus, por sua intercessão, pelos devotos. 
         Pio VI o beatificou em 2 de maio de 1779 e Pio IX o canonizou no dia 8 de junho de 1862. João XXIII o nomeou padroeiro da cidade em que nasceu, VICH. As relíquias de São Miguel dos Santos, padroeiro da juventude trinitária, são veneradas em Valladolid, na paróquia de São Nicolau.