terça-feira, 9 de abril de 2013

Santa Cacilda de Toledo


Casida' em árabe significa 'cantar' ou 'poesia'. O nome desta Santa já soa como uma delicada e encantadora música que ecoaria no tempo.


     O Santuário de Santa Cacilda, coração religioso de Briviesca, fica apenas a 9 km da cidade, numa colina que domina o vale. No edifício do século XVI descansam, desde 1750, as relíquias da Santa, padroeira da cidade, "a virgem moura que veio de Toledo".
     Briviesca é a capital da comarca de Bureba, a noroeste da província de Burgos, e deve seu nome ao posto romano Virovesca. Com cerca de seis mil habitantes, esta cidade fica a40 km de Burgos.
     No começo do século VIII, os seguidores de Maomé (*) invadiram a Espanha e conquistaram quase todo o país. Os cristãos começaram uma luta terrível que duraria séculos até que se libertassem dos invasores. Toledo era então a capital religiosa da Espanha islâmica, que os árabes haviam conquistado em 711, e que ficaria nas mãos dos muçulmanos até 1085.
     É dentro deste contexto que viveu Cacilda. Há muitas divergências nos relatos da vida desta Santa: segundo alguns era filha do emir de Toledo al-Mamun ou al-Macrin; segundo outros, era filha do governador de Cuenca, Bem Cannon. O relato mais fidedigno, na opinião dos Bolandistas, é o que se encontra no Breviário de Burgos.
     Com apenas 17 anos, Cacilda era uma das mais discretas e sábias princesas de seu tempo. Foi educada pelos homens mais doutos e logo começou a expor suas dúvidas religiosas, sentindo desejo de conhecer os princípios fundamentais do Cristianismo.                              
     Cacilda não ocultava as manifestações de solicitude para com os cristãos que gemiam nas masmorras de seu pai. Ela deve ter sido instruída na fé cristã pelos cativos que ela socorria, que retribuíam com dons espirituais os bens materiais que dela recebiam. A semente caiu em terra boa: a bondade imensa de Deus fez com que uma árvore estéril produzisse um ramo que deu frutos excelentes.
     A graça de Deus ia trabalhando e ia inclinando Cacilda cada vez mais à religião cristã. Mas, parecia improvável que a princesa moura, sujeita por tantos laços ao Islã, viesse a receber o Batismo e fazer pública profissão da fé verdadeira.
     Entrementes, uma doença secreta ia minando pouco a pouco a sua juventude. Os rudimentares recursos dos médicos do palácio se mostraram impotentes para curar o mal.
     Certo dia, os cristãos cativos falam-lhe de uma fonte existente nas terras castelhanas, cujas águas operavam milagres. Era a Fonte de São Vicente, de Briviesca. A tradição também se refere a uma revelação em que a Virgem Maria transmite à jovem princesa a esperança da cura nas águas de São Vicente. Era o caminho que a Providência dispunha para conduzir Cacilda para as águas regeneradoras do Batismo.
     Ela obteve a permissão do pai para realizar a viagem e, acompanhada de um séqüito, iniciou sua peregrinação a Burgos. Chegada à fonte, banhou-se nas águas do poço de São Vicente e com a saúde do corpo alcançou a da alma. Poucos dias depois de sua chegada recebeu solenemente o santo Batismo na capital de Castela.
     Voltou ao lugar onde recebera a saúde perdida e resolvida a consagrar sua virgindade a Nosso Senhor Jesus Cristo, decidiu passar o resto de sua vida na solidão, entregue à oração e à penitência, em uma ermida que mandou erguer junto ao poço milagroso.
     Ali viveu por longos anos com admirável firmeza e constância. Morreu com avançada idade e foi sepultada na ermida que abrigara sua existência casta e fervorosa. Logo seu sepulcro se converteu em local de peregrinação de incontáveis devotos.
     Os seus admiradores narram maravilhas sobre ela, mas o grande milagre de Santa Cacilda é ela mesma.
     Criada em meio às magnificências reais, foi viver em uma ermida que mal a protegia contra os rigores do inverno e do verão; seus pés delicados, que pisaram preciosos tapetes e almofadas de seda, palmilham descalços os ásperos caminhos castelhanos; sua alimentação e suas roupas se reduzem ao indispensável para subsistir. E, acima de todas as austeridades físicas, há uma que deve ter sido a maior das provações: a solidão.
     Sendo naturalmente inclinada ao bem do próximo, deve ter sentido muito a privação do convívio humano, e de ver tolhida a expansão de sua caridade, feita de ternura e compaixão. Logo, porém, sua ação se fez sentir aonde sua presença física jamais teria podido chegar.
     Conta-se que, enquanto a Santa ali viveu, homens e gado podiam andar com segurança pelas perigosas ladeiras dos montes Obarenes. Nunca houve acidentes com os pastores, peregrinos ou viajantes que se embrenhavam por aquelas solidões inóspitas. A presença da Santa, ainda que invisível e distante, os protegia.
     O corpo de Santa Cacilda repousou em sua sepultura até 1529, quando suas relíquias foram transladadas para o santuário edificado sobre seu túmulo. Em 1601, parte dos venerandos despojos foi levada para a Catedral de Burgos; algumas relíquias suas também são veneradas na Catedral de Toledo.
     Santa Cacilda é invocada nos casos de fluxo de sangue, de quedas e acidentes de todo tipo. É padroeira de Briviesca e da comarca de Burgos. Sua festa litúrgica é celebrada em 9 de abril.
     Famosos artistas como Murillo, Zurbarán, Bayeu e Subias a retrataram com roupas suntuosas de suas épocas. Nos últimos dias de junho multidões de devotos visitam o seu santuário de Briviesca, apregoando a eficaz intercessão da santa princesa moura que deixou naquelas terras áridas o exemplo cativante de sua vida contemplativa e penitente.

 (*) Maomé nasceu cerca do ano de 570 em Meca, cidade da Arábia. Seu pai era pagão e sua mãe judia. Aos 40 anos declarou-se profeta e fundou o islamismo. Sua doutrina está contida no livro chamado Corão. Sua divisa 'Crê ou Morre' levou seus discípulos a espalhar pelas armas as doutrinas do fundador.