quarta-feira, 24 de julho de 2013

Santa Matilde de Canossa, condessa


     Na Idade Média, os soberanos e a alta nobreza concediam feudos aos vassalos mediante a entrega de símbolos. Se o domínio era seu, ofereciam um punhado de terra e um ramo do lugar. E passaram a fazer o mesmo nas propriedades eclesiásticas - muitas pessoas abonadas deixavam os bens à Igreja, trocando-os por missas que lhes facilitassem o acesso ao céu. Neste caso, os vassalos recebiam o báculo ou o anel. Com isso, a autoridade laica decidia quem seria sagrado bispo. A Igreja foi perdendo a autoridade sobre o clero e Roma quase se converteu em uma diocese a mais. Do ponto de vista eclesiástico, era preciso inverter a situação. O pontífice que mais se empenhou na virada foi Gregório VII (1020 ou 1025-1085), amigo de Matilde.
     Matilde de Canossa, chamada a Grande Condessa, foi a principal apoiadora italiana do Papa São Gregório VII durante a Controvérsia das Investiduras, e é uma das mulheres medievais a serem lembradas por suas realizações militares. Ela é chamada “de Canossa” devido ao castelo de Canossa de propriedade de sua ancestral família, mas ela também é conhecida como Matilde da Toscana.
     Seu pai era Bonifácio III, Conde de Reggio, Modena, Mântua, Brescia, Ferrara, e Marquês de Toscana. Como esta série de títulos implica, ele possuía uma grande propriedade em ambos os lados dos Apeninos, embora a maior parte estivesse na Lombardia e Emilia. Sua mãe era Beatriz da Lorena, filha de Frederico II, Duque da Lorena Superior, e de Matilde da Suábia.
     O lugar de nascimento de Matilde é desconhecido. Mântua, Modena, Cremona e Verona têm sido sugeridas. Seu pai foi assassinado em 1052; sua irmã mais velha e um irmão morreram logo depois, deixando Matilde, de oito anos de idade, como a grande herdeira sob a tutela de sua mãe. Dois anos depois, Beatriz casou-se novamente, com Godofredo o Barbudo, um primo que tinha sido Duque da Lorena Superior antes de se rebelar contra o imperador Henrique III.
     Em 1055, quando Henrique III entrou na Itália fez Beatriz e sua filha Matilde prisioneiras e as levou para a Alemanha. A jovem condessa recebeu uma excelente instrução; ela foi muito bem educada, sabia latim e gostava muito de livros sérios. Ela também era profundamente religiosa e desde a juventude acompanhou com interesse as grandes questões eclesiásticas que estavam então de destaque.
     Antes de sua morte, em 1056, Henrique III devolveu a esposa e a enteada a Godofredo da Lorena. Quando Matilde chegou à vida adulta, foi dada em casamento a seu meio-irmão Godofredo da Baixa Lorena, de quem, no entanto, se separou em 1071.
     A partir de 1071, Matilde passou a governar e a administrar suas extensas possessões na região média e superior da Itália.     Estes domínios foram da maior importância nas disputas políticas e eclesiásticas da época, pois a estrada que vinha da Alemanha pela região do norte da Itália a Roma passava por eles.
     Em 22 de abril de 1071, tornou-se papa Gregório VII, e a grande batalha pela independência da Igreja e a reforma da vida eclesiástica começou. Neste contesto, Matilde foi a aliada destemida, corajosa e firme de Gregório e seus sucessores.
     Imediatamente após a sua elevação ao papado, São Gregório VII iniciou estreitas relações com Matilde e sua mãe. As cartas para Matilde (Beatriz faleceu em 1076) expressam a alta estima e simpatia do papa pela princesa. Ele chamava-a e à sua mãe “suas irmãs e filhas de São Pedro" (Reg., II, ix), e queria realizar uma Cruzada com elas para libertar os cristãos na Terra Santa (Reg., I, xi). Matilde e sua mãe estavam presentes nos sínodos romanos das Quaresmas de 1074 e 1075, em que o papa publicou os importantes decretos sobre a reforma da vida eclesiástica.
     Em 7 de dezembro de 1074, Gregório VII escreveu para Henrique IV agradecendo a recepção amigável ao legado papal e sua intenção de cooperar no desenraizamento da simonia e do concubinato entre o clero. Mas, a disputa entre Gregório VII e Henrique IV logo começou.
     Em uma carta para Beatriz e Matilde (11 de setembro de 1075), o papa reclamou da inconstância e mutabilidade do rei, que, aparentemente, não tinha vontade de estar em paz com ele. No ano seguinte (1076), o esposo de Matilde foi assassinado na Antuérpia.
     Por conta da ação do Sínodo de Worms, Gregório VII foi obrigado a excomungar Henrique IV. Como a maioria dos príncipes do império tomaram partido contra o rei, Henrique queria reconciliar-se com o papa e, consequentemente, viajou para a Itália no meio de um inverno rigoroso, a fim de encontrar-se com ele antes que deixasse o solo italiano em sua viagem para a Alemanha. Gregório VII, que já tinha chegado à Lombardia quando soube da viagem do rei, aconselhado por Matilde, e para a segurança, dirigiu-se para a sua fortaleza nas montanhas de Canossa.
     O rei excomungado pediu à Condessa Matilde, à sua madrasta Adelaide e ao Abade Hugo de Cluny, para intercederem junto ao papa por ele. Estes atenderam ao pedido do rei, e depois de uma longa oposição, Gregório VII permitiu que Henrique comparecesse diante dele pessoalmente em Canossa, e expiasse sua culpa pela penitência pública.
     Após a partida do rei o papa foi para Mântua. Por razões de segurança, Matilde acompanhou-o com homens armados, mas ouvindo boatos de que o Arcebispo Wibert de Ravena, que era hostil a Gregório, estava preparando uma emboscada para ele, ela trouxe o papa de volta para Canossa. Ela elaborou então uma primeira escritura de doação, em que ela deixava seus domínios e propriedades de Ceperano a Radicofani à Igreja Católica. Mas, ela continuou a governá-las e a administrá-las livremente e de forma independente enquanto viveu.
     Pouco tempo depois Henrique reiniciou sua disputa com São Gregório VII; Matilde sempre apoiou o papa com soldados e dinheiro. Ela era confirmada nisto por seu confessor, Anselmo, Bispo de Lucca.
     No contesto para a liberdade da Igreja, ela apoiou de forma semelhante os sucessores do grande Papa. Por conselho do papa Urbano II, Matilde desposou em 1089 o jovem Duque Welf da Baviera, a fim de que a defensora mais fiel da sede papal pudesse assim obter um poderoso aliado.
     Em 1090, Henrique IV voltou para a Itália para atacar Matilde, a quem já tinha privado de suas propriedades na Lorena. Ele devastou muitos de seus bens, conquistou Mântua, seu principal reduto, por traição em 1091, bem como vários castelos. Embora os vassalos da condessa se apressassem em fazer as pazes com o imperador, Matilde novamente prometeu fidelidade à causa do papa, e continuou a guerra, que agora deu uma guinada em seu favor. O exército de Henrique foi derrotado diante de Canossa. O Duque Welf da Baviera, e seu filho de mesmo nome, marido de Matilde, aderiram a Henrique em 1095, mas a condessa permaneceu firme.
     Quando o novo rei alemão, Henrique V, entrou na Itália no outono de 1110, Matilde prestou-lhe homenagem pelos feudos imperiais. Em seu retorno, ele esteve três dias com Matilde na Toscana, mostrou a ela todos os sinais de respeito, e a fez sua imperial vice regente da Ligúria. Em 1112, ela confirmou a doação de seus bens à Igreja que tinha feito em 1077.
     Após sua morte, Henrique foi para a Itália em 1116, e tomou suas terras - não apenas os feudos imperiais, mas também os outros bens. A Igreja Católica apresentou a sua reivindicação legítima à herança. Uma longa disputa pela posse dos domínios de Matilde se iniciou, a qual levou ao termo de compromisso entre Inocêncio II e Lotário III em 1133.
     O imperador e o Duque Henrique da Saxônia tomaram as propriedades de Matilde como feudos do papa com uma renda anual de 100 quilos de prata. O duque fez o juramento feudal para o papa; depois de sua morte, os bens de Matilde foram inteiramente retornados à Igreja Católica. Novas disputas ocorreram sobre estas terras e outros acordos entre os papas e os imperadores do século XII foram relatados. Em 1213, o imperador Frederico II reconheceu o direito da Igreja Católica sobre as propriedades de Matilde.
     No século XVII, o corpo da Condessa Matilde foi removido para o Vaticano, onde agora se encontra na Basílica de São Pedro.
 

Estátua de Matilde na Basílica do Vaticano