Aos cinco anos andava ela bem vestida, chamava as atenções e com isso envaidecia-se, mas não gostava de brincar e apreciava o estudo. Aos sete anos já lia o breviário romano, em latim com certeza. Tornara-se piedosa; aparecia com o oficio de Nossa Senhora ou o terço na mão.
Aos dez anos entrou como interna na casa das ursulinas de Santa Maria dos Anjos. “Deixei de boa vontade a casa paterna, escreveu ela nas suas notas autobiográficas, para me dar toda a Deus no santo claustro”. Ao receber a primeira comunhão, a hóstia caiu no chão, entre ela e a grade; apanhou-a logo, mas pareceu-lhe que o Senhor não queria vir ao seu coração.
Começou bem cedo a oferecer grandes penitências: orações prolongadas de noite, no maior frio; enxergão com pedaços de madeira, pedras e espinhos; caminhar descalça sobre cascalho e urtigas, até deitar sangue.
Impressionava-se com as imundices que às vezes via no mosteiro; para se vencer, tudo isso beijava. Pedia às companheiras que lhe batessem muito, pois o merecia. Nessa altura, não julgava a obediência necessária, em matéria de penitência; e sendo pequena a vigilância sobre ela, seguia a inclinação, julgando fazer bem. O crucifixo servia-lhe de modelo, animador e juiz. “Tudo o que ouvia ler na Vida dos santos, propunha-me copiá-lo na minha”. Mais tarde, para reproduzir um ponto da paixão dos santos Crispim e Crispiniano, espetou agulhas entre a carne e as unhas das mãos e dos pés, e conservou estas vinte torturas, durante três horas.
Passados dois anos, foi para o convento do Espírito Santo, onde lhe começaram a chamar Santinha (Santarella). Ao cabo de três anos de internato, voltou à casa da família. Os irmãos procuraram-lhe romances e foi obrigada a vestir-se com elegância. Pensava-se em lhe encontrar noivo, mas ela queria conservar-se virgem por amor de Deus, e o pai teve de capitular diante de tal firmeza.
Viu um dia Santa Teresa e Santa Clara discutirem, diante de Nossa Senhora, a respeito da sua vocação. Mas o cinzento de Santa Clara venceu o branco de Santa Teresa: a nossa donzela tomaria o duro hábito das pobres Clarissas. Fez experiências nos fins de 1704 e princípios de 1705; mas era austeridade demasiada. Finalmente, a 8 de setembro de 1705, tomou em Brescia o hábito das capuchinhas, ficando a chamar-se Irmã Madalena.
A saúde mantinha-se fraca, dormia mal: “Levantava-me mais cansada do que me deitava na véspera”. Caiu gravemente doente, mas curou-se. Os seus escrúpulos de consciência persistiam. Por fim, viu Nosso Senhor, em vestes pontifícias, que lhe dizia: “Absolvo-te completamente de todos os teus pecados”. Fez um tríplice voto: de procurar o mais perfeito, o mais custoso e o mais intensamente “capuchinho”. Esta contemplativa não desestimava, por outro lado, rezar cem Ave-Marias com genuflexões, todos os sábados. E mais rezava nas grandes circunstâncias.
Não compreendia que se temesse a morte. No caso de vir a falecer dentro de poucas horas, dizia ela: “Pôr-me-ia como criança nos braços do meu Deus e absolutamente nada temeria”. Gostava de meditar sobre a sua padroeira Madalena, que, segundo a liturgia romana, confundia com a pecadora perdoada, de S. Lucas (cap. 7). ...
A sua piedade tomava-se cada vez mais profunda. Soma ao ver um padre celebrar o santo sacrifício apressadamente, atrapalhando as palavras. O Senhor disse-lhe um dia: “Esquece-te, como se realmente não existisses”.
Era terrivelmente engenhosa para encontrar sofrimentos; mas, desde que religiosa, não prescindia da licença. De noite rezava, por horas a fio, com os braços estendidos. ... O que é certo é que ela soma cruelmente com estas torturas inventadas, como testemunho de amor a Cristo crucificado.
Mas o grande empenho era a obediência, a morte da vontade própria. Dizia que a profissão a decapitara; tinha entrado no mosteiro com a cabeça nas mãos, como se representa São Dinis. Gostava de obedecer a todas, de se fazer menina (bambina).
Quem escolhera ser a humilde serva das suas Irmãs foi nomeada três vezes mestra das noviças, abadessa em 1732 e de novo em 1736, embora estivesse doente. Exerceu também o cargo de porteira e de vigária. Embora dissesse “O nada não faz nada”, era julgada utilizável! Servia de proteção ao mosteiro; se era anunciada a peste para breve, vinha-lhe uma dor tremenda de dentes, e a peste afastava-se.
Às noviças mandava ler e reler a Regra, as Constituições, o Legendário franciscano e os Anais dos irmãos menores capuchinhos. Pedia a união de todos os corações, para amarem a Deus: “Amá-lo com um só coração é pouquíssimo, é pouquíssimo!”
Para 15 de fevereiro (santos Faustino e Jovita, patronos de Brescia), os “filósofos” do local quiseram inaugurar um cassino. Durante a manifestação, o animador da ímpia iniciativa caiu moribundo; converteu-se, porém, antes de expirar. Entretanto, a Irmã Maria Madalena orava. De repente parou, com uma alegria radiosa, dizendo: “A graça está concedida!”. A graça era a festa sacrílega interrompida e o filósofo reconduzido a Deus.
Gostava do “silêncio alegre, afável, bom; das palavras humildes, doces e santas”. Antes de falar era preciso, segundo ela, fazer a pergunta se as palavras se podiam escrever, a seguir à letra N do dicionário: “necessidade”.
Já doente, foi reeleita abadessa, e 15 dias mais tarde faleceu, a 27 de julho de 1736, aos quarenta e nove anos, e trinta e dois de vida religiosa. Em 1738 apareceu uma dissertação dum médico que lhe tinha examinado o cadáver. É admirável, escrevia ele, que as agulhas no corpo não tenham dado nem inflamação, nem úlceras nem gangrena.
Maria Madalena Martinengo foi beatificada por Leão XIII, a 3 de junho de 1900.