quinta-feira, 18 de julho de 2013

Beata Ana Maria Javouhey, fundadora


     A Beata Ana Maria pertence ao número bastante grande das Fundadoras de Institutos Religiosos Femininos surgidos na França mal cessou a triste época do Terror.
     Nasceu em Jallongers, região vinícola da Borgonha, em 10 de novembro de 1779. A família transferiu-se pouco depois para Chamblanc. A família era muito católica.
     Em 1791, em plena Revolução Francesa, certa noite um sacerdote não juramentado bateu na porta: “Pediram-me para assistir a um doente e não conheço o caminho”. Ana, intrépida, se ofereceu para acompanhá-lo. No caminho, o sacerdote lhe explicava a necessidade de permanecer fiel à Igreja de Roma. A partir desse momento, e com a colaboração de sua família, passou a organizar cerimônias clandestinas e a esconder os sacerdotes perseguidos pelos revolucionários.
     Em 1798, aos dezenove anos, consagrou-se definitivamente a Deus. Em 1800, o pároco de Chamblanc convenceu Baltasar Javouhey a deixar a filha ingressar nas Irmãs da Caridade de Besançon. Era Superiora e Mestra das Noviças a própria fundadora, Santa Joana Antide Thouret, religiosa de grande valor.
     Foi ali que, num estranho sonho, Ana se viu rodeada de muitas pessoas, na maioria crianças, de todas as cores e sobretudo pretas, e ouviu uma voz que dizia: “São os filhos que Deus te dá. Sou Santa Teresa. Serei a protetora da tua Ordem”.
     Vendo que sua vocação era outra, Ana saiu de Besançon e voltou a dar aulas na sua terra. Começaram a segui-la, com o mesmo ideal de vida religiosa, não só as irmãs (com 16, 14 e 11 anos), mas também outras jovens.
     Em 1802, um encontro providencial com D. Augustin de Lestrange, restaurador da Ordem dos Trapistas na França, levou Ana a encaminhar-se para a Trapa. Mais uma vez, seus diretores e ela percebem ser outra a sua vocação. Mas, os poucos meses de permanência no convento lhe permitiram receber uma sólida formação na vida religiosa.
     Depois de novas tentativas de criar escolas na região do Jura, Ana Maria regressou para a casa paterna para estabelecer sua obra educativa. Em Chamblanc, continuou as suas atividades apostólicas nas aldeias com suas irmãs e outras jovens.
     Na Páscoa de 1805, retornando a Roma após a sagração de Napoleão, Pio VII parou uns dias em Châlon-sur-Saône, a poucos quilômetros de Chamblanc. Ana e suas amigas assistiram à Missa do Papa na Igreja de São Pedro, comungam da sua mão e no fim têm com ele uma audiência privada. A jovem expõe ao Santo Padre seus projetos. Pio VII, ao abençoar Ana, lhe disse: “Coragem, minha filha, Deus fará por meio de ti grandes coisas para a Sua glória”.
     Na vigília da Assunção de 1805, Ana fixou-se em Châlon-sur-Saône. A municipalidade ofereceu-lhe parte do antigo Seminário Maior desocupado, mobília e subsídios para a obra de educação da juventude.
     No dia 12 de maio de 1807, o novo Bispo de Autun presidiu à cerimônia de consagração das jovens na Igreja de São Pedro. Aos votos religiosos de pobreza, obediência e castidade juntaram um 4° voto, o de se dedicarem à educação da juventude. Naquela tarde, o mesmo Bispo reuniu as religiosas em capítulo e presidiu a eleição da Superiora Geral. Os votos recaíram sobre Ana-Maria.
     Um dia do mês de janeiro de 1812, Madre Ana Maria descobriu um anúncio que dizia estar à venda o antigo convento dos recoletos, em Cluny. Recorreu então a seu pai, que se deixa convencer e adquiriu a propriedade; ali se instalam as monjas, convertendo-se na Congregação de São José de Cluny.
     A princípio, a dimensão missionária da Congregação parece não ter sido prevista pela Fundadora. Com não poucas dificuldades, Madre Ana Maria conseguiu abrir uma escola em Paris.
     Em 1816, o intendente da Ilha Bourbon (atual Ilha da Reunião) lhe fez uma visita e solicitou algumas monjas para a ilha, acrescentando que ela era povoada “de brancos, mulatos e negros”. Diante destas palavras, a madre se sobressaltou, recordando a profecia de Besançon. Pouco depois, o Ministro do Interior lhe pedia também monjas para as possessões da França no ultramar. Suas perspectivas missionárias a levam a aceitar tudo.
     A 10 de janeiro de 1817, partiram de Rochefort, a bordo do “Eléphant”, barco da marinha mercante, quatro novas professas. A viagem do grande veleiro durou cinco meses e 18 dias, fazendo escala no Rio de Janeiro. Foi a primeira aventura missionária.
     No início de 1819, um contingente de sete religiosas embarcou para o Senegal. Porém, neste local o hospital que deveriam cuidar se encontrava em um estado lamentável, a cidade não tinha igreja, a catequização apenas havia começado. As monjas desanimam.
     A própria Madre Ana Maria partiu para o Senegal em 1822. Persuadida de que os negros se sentem inclinados à religião por natureza, afirmava: “Somente a religião pode proporcionar a este povo princípios, conhecimentos sólidos e sem perigo, porque suas leis e dogmas não só reformam os vícios grosseiros e externos, como também são capazes de mudar o coração. Dê solenidade à religião, para que a pompa do culto os atraia e que o respeito os retenha, e em seguida, a face deste país terá mudado”.
     Por outro lado, ela percebia que a África tem vocação agrícola. Em fins de 1823, ela estabeleceu uma granja-escola em Dagana, o que lhe permitiu manter relações com a população. Logo a chamam de Gâmbia e depois de Serra Leoa, onde se encarregou dos hospitais.
     Entretanto, cartas chegam da França suplicando-lhe para voltar. Em fevereiro de 1824, retornou à França após ter assentado as bases de uma obra perseverante para a civilização e a cristianização da África.
     Na França, a revolução de julho de 1830 gerou profundas transformações políticas pouco favoráveis à religião católica, diminuindo o apoio econômico do governo às obras de Madre Ana Maria. Contudo, ela prosseguia seu trabalho de forma que seus centros resistissem às dificuldades. Em 1833, fundou um leprosário próximo de Mana.
     Em fins de abril de 1835, Mons. d’Héricourt impõe a Madre Ana Maria novos estatutos que modificam os antigos e, segundo os quais, ele se convertia no superior geral das Irmãs. Mas, a Madre escreveu ao bispo comunicando-lhe que manteria os estatutos de 1827.
     Por esta época, a questão da escravidão era debatida e, em 18 de setembro de 1835, uma ordem ministerial confiou oficialmente a Madre essa missão. O próprio rei Luis Felipe a recebeu várias vezes, colocando com ela o plano relativo à emancipação dos negros.
     À sua chegada na Guiana em fevereiro de 1836, a Madre Ana Maria se encarregou de uns quinhentos escravos negros arrebatados dos negreiros. Sua pedagogia não consistia em recorrer à força, mas a educar com doçura, paciência e persuasão. Ela mesma escrevia: “Me instalei como uma mãe em meio sua numerosa família”.
     Apesar de todas as dificuldades, dois anos depois um certo espírito de ordem e de sobriedade reinava em Mana. Em 21 de maio de 1838, a Madre presidiu a emancipação de cento e cinco escravos.
     Contudo, a oposição do Bispo de Autun a perseguia até a Guiana. Em 16 de abril de1842, a fundadora escrevia que o Bispo de Autun “proibiu que o prefeito apostólico me administrasse os sacramentos, a menos que o reconheça como superior geral da congregação. Eu o perdôo de todo coração pelo amor de Deus”.
     O sofrimento intenso que gerava esta situação durou dois anos. Isto se agravou com a circulação de libelos infamatórios contra a madre. Nos momentos em que suas Irmãs se aproximavam da Santa Eucaristia e ela era privada de fazê-lo, as lágrimas que derramava eram abundantes.
     Em 28 de agosto de 1845, tendo voltado para a França, a Madre Ana Maria vai a Cluny onde com grande serenidade falou à suas filhas, deixando-as livres para escolher entre ela e o bispo. Das oitenta jovens, somente sete recusaram segui-la.
     O Bispo de Autun finalmente reconheceu estar errado em sua posição, e em 15 de janeiro de 1846 chegou a um acordo com a madre.
     No início de 1851 a saúde da Madre Ana Maria decai e no mês de maio deve permanecer de cama. No dia 8 de julho tomou conhecimento da deposição do Bispo de Autun. Uns dias depois ela afirmava: “Devemos considerá-lo como um dos nossos benfeitores. Deus se serviu dele para enviar-nos a tribulação num momento em que ao nosso redor só ouvíamos elogios. Era preciso, porque com o êxito que a nossa congregação estava alcançando nós nos teríamos acreditado importantes se não tivéssemos sofrido essas penalidades e contradições”.
     Pouco depois de pronunciar estas palavras, entregou a alma a Deus. Era o dia 15 de julho de 1851. Ela se encontrava na atual Casa-Mãe, em Paris. Falecia aos 71 anos de idade e 44 de generalato, 14 dos quais passados em terras longínquas. A sua peregrinação alcançou 45 mil quilômetros navegados em frágeis barcos que singravam os mares no  início do século XIX.
     Naquele momento sua congregação contava com umas 1.200 religiosas, dedicadas a fazer em tudo a vontade de Deus por meio do ensino, das obras hospitalares e missionárias.
     “Estar onde há bem a fazer”, era outra de suas máximas. Por sua luta pela liberdade dos escravos da Guiana ficou conhecida como ‘Mãe dos Negros’.
     Peçamos a Beata Ana Maria Javouhey, beatificada por Pio XII em 15 de outubro de 1950, que nos alcance a libertação da pior das escravidões, a do pecado. Que ela nos participe seu espírito de dedicação, de caridade e de simplicidade para que alcancemos a verdadeira liberdade dos filhos de Deus.