terça-feira, 29 de maio de 2012

Santos Voto e Félix, eremitas

 Voto y Félix, Santos

          Todo Aragão, com Saragoça, está dominado pelos sarracenos que faz mais de meio século chegaram a Espanha. Os cristãos sobrevivem como podem sua fé numa situação nova que ainda não está de todo clarificada. Agora resulta que os cristãos de sempre, os discípulos de Jesus Cristo de toda a vida, têm que pagar tributos especiais ao mouro se querem seguir fazendo as práticas cristãs.
          Assim, desgostados e humilhados como muitos outros, vivem os irmãos Voto e Félix que são gente pertencente a la nobreza, piedosos e bons com os pobres. Voto é amante da caça. Há ferido a um cervo no monte, e percorre o terreno revolvendo arbustos e procurando encontrá-lo.
         Alertado pelos latidos, vê os cães acossando o animal que vai fugindo; esporeia a seu cavalo e se une à perseguição. O cervo se despenha por um precipício e, quando Voto se dá conta, o cavalo vai em desfilada. Se encomenda a são João Baptista em seu apuro e o cavalo se imobiliza, sem saber como, mesmo à beira da ribanceira. (Ainda hoje os vizinhos devotos do lugar se atrevem a mostrar na penha as pegadas que deixaram ali as ferraduras do animal). Entre assustado e agradecido, inspeciona Voto o lugar, encontrando entre as matas e arbustos uma ermida dedicada a são João Baptista que em seu interior tem um homem morto e uma escritura onde se lê: «Eu, João, eremita neste sitio, havendo desprezado o mundo, fundei como pude esta ermida em honra de são João Baptista, e aqui descanso em paz. Ámem.»
         Numa situação como a sua está aturdido e não sabe que fazer ¡são tantas as coisas sucedidas em tão pouco tempo!... decide dar sepultura ao morto e, terminada a obra de piedade, regressa a sua casa com a alma encolhida e ansiando pôr ao corrente dos acontecimentos a seu irmão Félix. Da conversação deduzem que o morto bem pudera ser João, o de Atarés, de quem ninguém dava razão desde havia alguns anos, depois que desapareceu; se acertaram em sua conjectura, tudo se explica pelo retiro a uma vida solitária e santa.
        Agora tudo se junta na cabeça: a presença dos mouros e as dificuldades para ser homens íntegros de fé; lamentam o tempo desperdiçado em caças e niquices, conversam sobre o sentido da vida; não lhes sai da cabeça a milagrosa paragem do cavalo a ponto de despenhar-se e a descoberta do solitário, morto e já enterrado, da ermida... «Não estará em tudo isto falando-nos Deus?»
         Decidem repartir seus bens entre os pobres e se marcham para o monte Panno; constroem duas ermidas junto à que já havia e começam um retiro em paz. Ali contemplam com piedade a Paixão de Cristo, meditam animosamente as verdades eternas; é parco seu alimento de raízes, ervas e frutos que dá o campo, em alguma armadilha caem animais e, de tarde em tarde, tiram alguns ovos de ninhadas selvagens; um e outro se sentem movidos, além disso, a acrescentar mortificação pelos pecados próprios e alheios.
         Não lhes faltam momentos de tentações, se sentem às vezes com vontade de voltar à civilização; um alenta ao outro quando manifesta debilidade ou cansaço e juntos se apoiam com a oração. Descoberta sua presença por outros que vão ocupando o monte fugindo da escravatura que supõe conviver com os discípulos do Profeta, vão agregando-se gentes que constroem outras cabanas onde viver na proximidade e abrigo dos eremitas. Recordando as gestas de dom Pelayo nas Astúrias se aprestam a organizar uma possível defesa em caso de necessidade; elegem como capitão a dom García Jiménez que é militar e tem experiência na luta contra os maometanos; em todo este novo modo de viver, Voto e Félix ajudam com sua aprovação sem abandonar seu principal cometido orante.
         Voto morre primeiro, no dia 29 de Maio, algo depois se despediu Félix deste mundo e sua festa se celebra no mesmo dia pela união mantida no sitio, tempo e modo de santidade.

SanJuandelaPeña.JPG

Mosteiro de São João do Rochedo