domingo, 1 de julho de 2012

Santo Simeão, eremita

 
 
            Em Emesa, cidade de Síria, são Simeão, chamado “Salos”, que, impulsionado pelo Espírito Santo, por amor a Cristo ansiou ser tido pelos homens como um tonto e um plebeu. Comemoração também de são João, ermitão, que conviveu durante quase trinta anos com são Simeão, peregrinando com ele e fazendo também a seu lado vida eremítica junto ao Mar Morto.
           Reza o refrão castelhano que "cada mestre tem seu livrinho" referindo-se aos modos diversíssimos de ensinar aos demais o que cada um sabe. Logo, a ciência pedagógica se encarrega de propor aos pedagogos a melhor maneira de transmitir o saber em cada uma das matérias, ditando normas e dizendo o que se pode e o que não se pode fazer para conseguir que os alunos aprendam mais e os mestres desperdicem menos sua energia e seu tempo. Inclusive se necessitam títulos, diplomas, cursos bem aproveitados, conhecimentos de técnicas para programar, concretizar objectivos, distribuir por tempos e avaliar os resultados para chegar a ser um excelente mestre e inclusive conseguir um posto de trabalho. Assim temos complicado as coisas hoje.
            Simeão, como vamos a ver, rompeu os esquemas da pedagogia de todos os tempos. É catalogado como anacoreta e o que cabe esperar-se de tal sujeito é o retiro no deserto, a vida de oração e a ascese da penitência; com tudo isso, o solitário dá testemunho e bom exemplo que estimula ao resto dos mortais crentes a ser menos egoísta, mais piedoso e também melhor disposto a fazer o bem ao próximo com quem convive. Desta maneira viveu trinta anos Simeão, mas deixou de ser anacoreta e converteu-se voluntariamente em Louco.
           Nasceu em Emesa no ano 522. Aos trinta anos foi para o deserto onde o abade Nicon tinha seus domínios, ajudando a seus monges na entrega e recordando-lhes os compromissos adquiridos. Passados trinta anos de solidão, oração e penitência decide deixar o retiro para se converter em seu povo no estranho louco que entre risos, chistes, choros, brincadeiras, gritos, graças, ameaças, conselhos, conduta de lunático e atitudes de escândalo para os bons, acaba sendo a consciência moral do povo. E é que Simeão não quis ser um santo de cliché, nem de esquema. Nem sequer quis ensinar o Evangelho como mandam os cânones; teve seu estilo e, pondo-o em prática, conseguiu, sendo Louco, falar do Reino.
           Não é a lenda, a imaginação ou a fábula que nos apresenta sua imagem; é um personagem bem definido na época, na geografia e no modo razoado de atuar do modo menos razoável que se possa pensar; vinte anos depois de morto, o bispo de Chipre, Leôncio, escreveu sua vida e milagres bem provados que lhe contou o diácono João, de Emesa, entre Damasco e Antioquia, que soube ver com os anos a santidade deste Simeão Salos -assim se diz louco em sírio - que se propôs jogar com o mundo e rir-se dele. Começou a sua façanha em Edesa que o viu nascer noutro tempo, arrastando a um cão morto que encontrou numa lixeira próxima, atando-lhe uma pata ao cinto de esparto de seu hábito, correndo e gritando pelo povo e levando atrás de si uma buliçosa nuvem de rapazes que gritavam em uníssono entre risos e piadas perseguindo o monge que se comportava de tal modo o que estranhou tanto aos sérios do povo.
           No primeiro domingo não faz outra coisa que atirar nozes às velas do altar com o intuito de as apagar, e quando se indignaram o presbítero e seus fregueses, subiu ao púlpito e atirou as que restavam às mulheres piedosas do templo. Voltou as mesas dos vendedores de bolos e doces para a oferenda do culto, conseguindo uma boa confusão. Contratado para vender verduras por um taberneiro, repartiu entre os pobres a mercadoria e disse ao taberneiro que "havia encarregado a Deus para lhe guardar seu dinheiro"; ralhava entre seriedade e risos aos borrachos dizendo-lhes que arruinavam sua vida, enquanto ele bebia um copo de bom vinho; os clientes riem dos seus ditos e se preocupam com suas ridículas máximas de doido pelo que o negócio não diminui ao taberneiro; pensando os donos que talvez não estivesse tão louco o Louco abade, decidiu Simeão inventar outra loucura que lhe evitasse uma possível boa quebra: estando adormecida a dona, entra em seu quarto, começa a despir-se, grita a senhora e roda as escadas até à rua pelos empurrões que lhe proporciona o taberneiro.
           Vive numa cova, a sujidade e o desalinho são agora sua propriedade, mas passeia pelo povo adornado com ramos de palmeira na cabeça e cachos de uvas e de alhos; assim vai à praça do povo pregando conversão; o Louco, entre risos e saltos, se retorce como um réptil pelo solo, com os punhos cerrados ameaça destruição, para a gente é um cínico e lunático, simples, louco ou bruxo. Para que não fique nenhuma dúvida de sua maldade, as moças perigosas por sua beleza deixa-as com os olhos estrábicos, ainda que as volt guapas de novo se deixam que lhes beije os olhos tortos, permitindo que se lhes aproxime com sua rala e suja barba.
          Não se sabe como, mas não lhe faltam cinco soldos para organizar mesa e comida para pobres na praça do povo; se alguém pensou que isso era coisas de bons, pergunta às de vida alegre se aceitam sua amizade e assim se vê que é para vício seu dinheiro (talvez falte acrescentar que algumas delas terminaram no convento). Como disseram que não provava bocado na Quaresma, apareceu à saída da Igreja em Quinta-feira Santa devorando - que não comendo - meio cordeiro. Busca ocasiões de infâmia, aceitando a calúnia de uma criada jovem grávida de ser o pai do que leva em seu seio; à hora do parto confessou a pobrezinha a sua senhora a mentira, descobrindo a estratégia do Louco que a cuidou com esmero todo o tempo de gravidez, como se fosse verdade ser ele o pai.
          Por que o santo decidiu ser Salos (Louco) deixando de ser cordato? Quando era anacoreta, se acostumou à pobreza, não lhe custava ser casto, lhe importava pouco a solidão, não sentia falta de sono, o trabalho era normal, comer ervas cozidas não tinha mais interesse, o calor, o frio e a penitência dura não o metiam na cama. Tudo era pouco por Cristo; ele merecia mais do que isso. Mas a soberba, o amor próprio, o orgulho, a fama era outro conto; que o disseram "santo" lhe dava gozo e que o chamaram "penitente observante" lhe trazia consolo; sim, de noviço, de professo, de asceta consagrado... sempre tinha serpeando a soberbia enredada em seu corpo.
          Amando a Deus tanto, pensou que era preciso rir-se de si, do mundo e chegar ao desprezo. A loucura era bom recurso para limpar o deserto do orgulho que sob a capa de santo se pode encerrar no anacoreta de seu tempo, porque parecia tentar bater records de fome e querer superar marcas de penitências anteriores. Para fazer o bem, sem perigo de que o chamassem "bom", a loucura foi o remédio certo; assim podia aparecer como frívolo, mau, pecador, tonto, néscio, Louco ou Salos que é o mesmo. Sim, além disso, a Deus lhe gostou o trabalho de seu bufão risonho, profeta, taumaturgo, excêntrico escandaloso, palhaço que rompia a avareza tesa dos crentes premiando-o com milagres.