segunda-feira, 16 de abril de 2012

São Lamberto de Saragoça, mártir

 
 
        Em Zaragoza, em Hispânia, são Lamberto, mártir (c. s. VIII) Etimologicamente: Lamberto = Aquele que é popular em seu país, é de origem germânica. Na noite de 13 a 14 de agosto de 1808 voava, com horroroso estrondo, a fábrica secular do mosteiro de Santa Engrácia, de Zaragoza. Os franceses deixavam essa triste recordação ao ter que levantar o sitio. Conservamos uma descrição contemporânea, em que é narrada a pena dos saragoçanos quando, no dia seguinte, contemplaram aquele espetáculo de desolação e de horror.
        A explosão havia arrastado consigo a destruição de valiosíssimos elementos arqueológicos e de um arquivo que nos poderia ilustrar sobre muitos aspectos da história da gloriosa sede cesar-augustana. Não obstante, ainda que, como consequência de tão triste acontecimento, a actual cripta da paróquia de Santa Engrácia não apresente praticamente nada de sua primitiva planta nem de seus primeiros materiais, sabemos que se trata de um dos templos mais antigos e veneráveis da cristandade. Se construiu a cripta em época constantiniana, para recolher nela os restos dos mártires saragoçanos. Um sarcófago do século IV, em que arqueólogos e teólogos querem ver a primeira representação iconográfica do mistério da Assunção de Nossa Senhora, é testemunho da grande antiguidade da cripta. Nela se conservavam, e se conservam, as cinzas dos mártires de Zaragoza, as "santas maças", junto às de Santa Engrácia e as de São Lamberto. De todos estes mártires faz menção em 16 de Abril o martirológio romano.
         Não obstante, a festa de São Lamberto se celebra na diocese de Zaragoza e em algumas outras de Aragão no dia 19 de Junho, impedida como está a data de 16 de Abril pela festa de Santa Engrácia. Por outro lado, neste mesmo dia 19 se encontrava sua festa em algum dos antigos martirológios, incluído o romano, em suas primeiras edições. Esta coincidência numa mesma data da comemoração dos mártires de Zaragoza e de São Lamberto deu pé a uma antiga lenda, que, segundo os Bolandos. E segundo o unânime critério de todos os historiadores modernos, em maneira alguma pode sustentar-se, falta por completo do mais mínimo apoio documental o arqueológico. Segundo ela São Lamberto, pelos mesmos dias de Daciano, havia sido decapitado por ódio à sua religião cristã. Tomando então sua cabeça entre as mãos, havia marchado ao lugar em que estavam as cinzas dos mártires, e seu corpo se havia unido a elas, conservando-se unicamente a cabeça.
         Nem o nome de Lamberto, de clara estirpe nórdica e desusado, portanto, em Espanha romana, nem o corte da narração, claramente inspirada numa errónea interpretação do costume medieval de apresentar a os mártires decapitados com sua cabeça entre as mãos, nem a debilidade do fundamento de dar algum martirológio seu nome no mesmo dia que o dos outros mártires, permitem tomar esta lenda a sério.  Resta-nos, pois, bem pouca coisa. A existência de um mártir chamado Lamberto. A época provável de seu martírio, muito verosimilmente quando Zaragoza gemia sob a dominação dos mouros. O dado de que esse martírio ocorreu em Zaragoza.
         E a tradição, que parece ter certo fundamento, de que se tratava de um lavrador. Isto é tudo. O caso de São Lamberto não é único, nem muito menos, no martirológio. São legião os mártires de que só nos ficou a menção de seus nomes. E ainda alguns nem isso nos deixaram. Santos há, como os quatro coroados, que passaram inclusive ao mesmo culto litúrgico universal sem que saibamos como se chamavam. Fenómeno este que se presta a muito proveitosas reflexões.
         Limitar a santidade unicamente aos santos de que se tem pormenorizada noticia e cujo martírio ou heroicas virtudes constam de forma plena e com todos os trâmites jurídicos, seria fazer grande injúria à verdade que todos os dias presenciamos. No século XX nos consta a existência de martírios, após a tela de aço por exemplo, de que nunca chegará a saber-se com exatidão que é o que ocorreu. Diga-se o mesmo das virtudes heroicas.
         Em quantas dioceses e em quantas casas religiosas se conserva viva a memória do odor de santidade que após si deixaram sacerdotes, seculares ou religiosos, que logo, por circunstâncias às vezes de ordem política, em ocasiões de tipo económico, em outras ocasiões de simples descuido humano, não se chegou a recolher e plasmar juridicamente! A Igreja recorda a todos eles na festa de Todos os Santos. E conserva com carinho a menção que a História legou de alguns desconhecidos, como Santo Lamberto, em seu universal martirológio. 
         Os modernos hagiógrafos nos explicam o sucedido nestes casos. Lamberto era um lavrador santo que deu seu sangue por Cristo. Aos primeiros destinatários do martirológio que recolheu seu nome não fazia falta dizer mais. Uns o recordariam pessoalmente: outros teriam ouvido falar dele a seus pais ou amigos.