sábado, 24 de dezembro de 2011

São Charbel Maklouf, monge maronita e confessor



 
         Charbel Makhlouf nasceu no dia 8 de maio de 1828 na aldeia de Bigah-Kafra, situada a 1600 metros de altitude, a mais alta do Líbano. Era o quinto filho do casal Antun Zarour Makhlouf e Brígida Al-Chidiac. Tinha dois irmãos e duas irmãs. No batismo recebeu o nome de Youssef (José).
        Sua família era modesta, de fé sólida e piedade sincera, e vivia da agricultura. No ambiente rural conscienciosamente religioso, cresceu Youssef. Aos três anos perdeu o pai e passou para a tutela do tio paterno, Tanios.
Youssef freqüentou a escola paroquial da aldeia, e desde pequeno demonstrou profundo sentimento religioso e propensão para a contemplação. Assim, de vez em quando deixava os jogos e se isolava numa gruta para estar a sós com Deus. Os outros meninos passaram a chamá-la, por ironia, de “a gruta do santo”.
         Como em todas as famílias maronitas daquele tempo, à noite Youssef e seus irmãos se ajoelhavam ao redor da mãe e repetiam as preces que ela fazia, enquanto queimava incenso num prato junto ao altarzinho suspenso à parede, dedicado a Nossa Senhora.
        No inverno, com a neve cobrindo os campos e parte das casas — às vezes atingia quatro metros — Youssef ajudava a mãe nos afazeres domésticos. Na primavera levava a vaca e os cordeiros da família para pastar e ajudava o tio no cultivo do campo, sobretudo no de amoreiras para criar o bicho da seda, naquele tempo principal meio de vida da montanha libanesa.
        Com o pensamento sempre no divino, enquanto trabalhava Youssef rezava a Nossa Senhora para que o ajudasse a tornar-se monge como seus dois tios maternos.
“Deus me quer inteiramente para Si”
        Aos 23 anos Youssef decidiu, apesar do afeto materno e da oposição de seu tio, que necessitava braços para o campo, fugir de casa e apresentar-se no mosteiro de Nossa Senhora de Mayfouq, da Ordem Maronita, na região de Byblos. Aí começou o noviciado, escolhendo o nome religioso de “Charbel”, em honra ao Santo do mesmo nome martirizado em Edessa no ano 107 de nossa era.
        A mãe e outros parentes, descobrindo seu destino, várias vezes tentaram demovê-lo de seu intento, mas ele respondia peremptoriamente: “Deus me quer inteiramente para Si”.
        Depois do primeiro ano de noviciado, o Irmão Charbel foi enviado ao mosteiro de São Maron, de Annaya, para fazer o segundo ano, de provação.
        Os monges se dedicavam a cantar o Ofício Divino sete vezes por dia –– em aramaico, a língua falada por Nosso Senhor –– estudar a liturgia e a vida monástica, e a esforçar-se no caminho da perfeição. Além disso dedicavam-se a trabalhos domésticos do mosteiro, como fazer pão, cultivar a terra, ou mesmo ser sapateiro-remendão e lavar a roupa, como também carpinteiro.
        Em 1853, aos 25 anos de idade, Charbel pronunciou seus votos solenes de obediência, castidade e pobreza. Foi então enviado para o mosteiro de São Cipriano, em Batroun, onde funcionava na época o Seminário Teológico da Ordem Libanesa Maronita. Aí foi aluno do Beato Pe. Nimatullah Kassab Al-Hardini, tanto em teologia quanto em santidade. Sempre dos primeiros alunos, após seis anos de estudos teológicos Frei Charbel foi ordenado sacerdote em 23 de julho de 1859 em Bekerké, sede patriarcal maronita.
        Não quis ver a mãe, que foi visitá-lo, e limitou-se a falar com ela do interior da capela, sem que um pudesse ver o outro. Dizia que o monge que mantém contacto com seus parentes depois de professo deveria recomeçar o noviciado.
       O Pe. Charbel voltou então para o mosteiro de São Maron de Annaya, onde deveria permanecer até o fim de sua vida.
       O novo sacerdote exercia com muita edificação o múnus sacerdotal, encarregando-se também, por humildade, dos trabalhos manuais da comunidade. Logo começaram rumores de milagres operados por ele.
      Certo dia, por exemplo, os monges trabalhavam num campo quando descobriram perigosa serpente. Quiseram espantá-la, sem sucesso. O Pe. Charbel foi chamado, e mandou à serpente que fosse embora sem molestar ninguém. E ela obedeceu. Outra vez, gafanhotos estavam devastando a região quando receberam ordem do Pe. Charbel de se afastarem. E o fizeram imediatamente.
       Por ordem dos superiores, curou vários doentes desenganados pela medicina. Certa vez chegou ao convento um louco furioso, Jibrail Saba. Estava acorrentado, era agressivo e perigoso. O Pe. Charbel ordenou-lhe pôr-se de joelhos, e ele obedeceu. Colocou a mão na cabeça do infeliz e rezou. Depois disso entregou-o aos parentes, inteiramente curado.


    Sentindo desde cedo o chamado para a solidão, o Pe. Charbel pediu várias vezes permissão para retirar-se para um eremitério. Mas era muito útil à comunidade, e a permissão foi sendo adiada.
        Finalmente, em 1875, após 16 anos de vida em comum, um fato miraculoso iria obter-lhe a desejada permissão. Depois de mais uma insistência do Pe. Charbel, o superior pediu-lhe que esperasse um pouco mais e deu-lhe um processo urgente para estudar, dizendo que lhe dava licença para fazê-lo até mais tarde, à noite.
        O Pe. Charbel foi então à cozinha para que abastecessem de azeite sua lamparina. O servente, querendo zombar do sisudo monge, em vez de azeite, pôs água. São Charbel, distraído em seus profundos pensamentos, nada percebeu e retirou-se. Foi à cela e acendeu naturalmente a lamparina sem nada desconfiar, e pôs-se a rezar. O servente, que estava à espreita, viu perplexo a lamparina acesa... Correu então para contar o acontecido ao padre superior, que foi imediatamente à cela e constatou o fato maravilhoso. No dia seguinte o Geral da Ordem, avisado do milagre, imediatamente autorizou o Pe. Charbel a ocupar no eremitério de São Pedro e São Paulo, pertencente ao próprio mosteiro, a cela do Pe. Eliseo Kassab Al-Hardini, irmão do Beato Al-Hardini, então falecido.
          O eremitério ficava situado a 1.400 metros de altitude. O eremita permanecia sob a jurisdição do superior do convento e fazendo parte da comunidade, apesar de sua vida retirada. Fazia ele uma só refeição por dia, composta de legumes verdes ou cozidos, cereais e azeitonas. Por penitência, nunca comeu frutas. A refeição era entregue pelo mosteiro.
         Ele sempre dizia: “A pobreza favorece a salvação. A frugalidade fortalece a alma. Quero viver nas privações, ignorando os prazeres e as doçuras deste mundo. Quero ser o servidor de Cristo e de meus irmãos”.
         Um de seus piores tormentos, na altitude em que vivia e com o rigoroso inverno libanês, era o frio. “O padre Charbel, mal vestido mas com vestes limpas, mal alimentado, mas com boa saúde, exposto sem defesa ao frio e ao calor, privado de qualquer conforto e qualquer ternura humana, era entretanto o homem mais feliz do mundo, pois o Senhor tornara-se sua verdade, sua força, sua riqueza, sua alegria e a razão de sua vida”.
         Depois de 23 anos de vida eremítica, em que sua obediência foi quase legendária, sua castidade angélica transparecendo em todo seu ser, pobreza na qual imitou os maiores santos da Igreja, e oração contínua, entregou ele sua alma a Deus no dia 24 de dezembro, vigília de Natal do ano 1898.
         Ao dar início ao seu processo de beatificação, Pio XII disse que “o Pe. Charbel já gozava em vida, sem o querer, da honra de o chamarem santo, pois a sua existência era verdadeiramente santificada por sacrifícios, jejuns e abstinências. Foi vida digna de ser chamada cristã e, portanto, santa. Agora, após a sua morte, ocorre este extraordinário sinal deixado por Deus: seu corpo transpira sangue há já 79 anos, sempre que se lhe toca, e todos os que, doentes, tocam com um pedaço de pano suas vestes constantemente úmidas de sangue, alcançam alívio em suas doenças, e não poucos até se vêem curados”.
         Em 1952, quando foi feita a terceira exumação do corpo de São Charbel, “o corpo foi retirado do caixão e sentado numa cadeira, diz testemunha ocular. Os braços e as pernas dobrados, curvados. A cabeça inclinada balançava dum lado para outro. As vestes sacerdotais e as roupas interiores estavam encharcadas de sangue”.
        O número de milagres nessa ocasião foi tão grande, que Anaya, onde está seu mosteiro, foi chamada de “A Lourdes libanesa”. Somente entre 22 de abril de 1950 e 25 de junho de 1955, foram registradas nos anais do Convento São Maron 237 curas, muitas constatadas e confirmadas por médicos.
        Após a morte, bem como durante a vida, padre Charbel foi considerado um santo. No dia de sua inumação, o superior do convento de São Maron de Annaya, Padre Tanios Almechemchany anotou no diário do mosteiro o seguinte: “ Hoje 24 de dezembro de 1898, faleceu na misericórdia do Senhor o Padre Charbel de Biqahkafra, eremita. .. Recebeu os últimos sacramentos e morreu aos 70 anos de idade. Foi sepultado no cemitério da comunidade. O que ele realizará após a morte dispensa maiores comentários sobre a santidade de sua vida”.
        O corpo de São Charbel permaneceu intato durante muitos anos após sua morte e inclusive transpirava. Esse fenômeno de conservação e de transpiração do corpo, desafiando as leis da natureza, fascinou os médicos, os homens da ciência. Que um cadáver se conserve não é um fenômeno único, porem que os restos mortais se conservem flexíveis, tenros, transpirando incessantemente é um caso extraordinário e único no gênero. Esse foi o caso de nosso santo. Muitos milagres aconteceram com pessoas de varias nacionalidades e religiões que rezaram sobre o tumulo deste eremita.
         O Padre Charbel foi beatificado no dia 5 de dezembro de 1965 pelo Papa Paulo VI. No dia 9 de outubro de 1977 , o mesmo Papa o canonizou, declarando-o santo do Líbano, santo para a Igreja Universal. Celebramos sua festa no terceiro Domingo de Julho. Mas no Brasil, na Argentina e em outros países, sua festa coincide com o dia de sua canonização, 9 de outubro.



Corpo incorrupto de São Charbel