O documentário sueco Homo Sapiens 1900, dirigido por Peter Cohen, mostra como o movimento de eugenia cresceu a partir do final do século XIX, considerando suas implicações para o comportamento e para as políticas desenvolvidas graças às suas concepções. O favorecimento e adoção dos conceitos eugenistas pelo regime nazista, em busca da pureza racial, as características desse movimento na União Soviética, que buscava a seleção dos indivíduos mais aptos para servir ao Estado, e o desenvolvimento da eugenia nos Estados Unidos, com forte teor racial, são temas abordados nesta obra.
Quando em 1859 é publicado A Origem das Espécies, de Charles Darwin, a crença de que entre os seres humanos havia aqueles que eram mais aptos (fisicamente, intelectualmente, moralmente etc) e portanto deveriam prevalecer sobre os de condição inferior passou a ser difundida. Para selecionar os melhores, era preciso medidas que favorecessem o casamento entre os “bem dotados”. Essa era a eugenia positiva, defendida por Francis Galton, sobrinho de Darwin. Na eugenia negativa a “inferioridade” era combatida através de medidas como a esterilização e mesmo o extermínio de pessoas.
Esses pensamentos ascenderam num momento em que o culto à ciência progredia e a religião vai perdendo o poder de influenciar a sociedade. Os últimos anos do século XIX e os primeiros do XX foram marcados pela difusão de diversas teorias cientificistas que deixaram marcas profundas no estudo da natureza e da sociedade. Tais correntes procuravam romper com as explicações abstratas e metafísicas, buscando desvendar racionalmente a lógica do mundo natural, social, humano e sobrenatural, preferencialmente através da observação empírica. Todas tinham como ponto em comum a convicção de que a ciência e a técnica poderiam resolver os problemas básicos da humanidade.
Herbert Spencer, defendeu a aplicação da teoria evolucionista a todos os campos do conhecimento, inclusive na análise da sociedade. Daí o advento do darwinismo social. No âmbito da criminologia, os italianos (e socialistas) Cesare Lombroso e Enrico Ferri, entre outros, tentaram implantar uma visão científica do crime. Por esta, seria possível descobrir, através de determinadas características físicas, as tendências criminosas dos homicidas antes mesmo que cometessem algum delito. O discurso científico era usado para explicar vários fenômenos na sociedade, mesmo os de âmbito comportamental, o que ocasionava um abandono do pensamento moral e ético através das formulações abstratas.
A ideologia do progresso também permeou a sociedade do século XIX e XX. Além da herança das filosofias da história hegeliana e kantiana, o positivismo de Augusto Comte é usual para se pensar a evolução social. Neste contexto, a preocupação de grande parte dos cientistas e políticos é com a predominância dos melhores homens para contribuírem no desenvolvimento de suas nações e da humanidade.
Diante de uma realidade em que a ciência experimental é o único parâmetro de ação, sobra pouco espaço a valores que possam se contrapor a este tipo de visão. Se uma determinada atitude favorece os preceitos de sanidade e do desenvolvimento empírico, ela é justificável por si mesma. Na encíclica Casti Connubii o Papa Pio XI condenou a eugenia. Um princípio utilizado em sua argumentação é que não se pode querer alcançar um bem através de uma ação má. Este tipo de princípio fica comprometido no pensamento cientificista em que o bem é considerado em vista do progresso empírico. O valor do homem unicamente como pessoa é posto em descrédito, pois o que realmente importa é se ele é saudável e útil ao progresso social. Ademais, diante do vácuo de princípios abstratos que guiem a ação científica, as subjetividades dos atores envolvidos na pesquisa influenciam na formulação de asserções. Interesses como a afirmação da superioridade de uma nação, ou o medo da ascensão de alguma classe ou grupo social são fatores que podem colaborar para a imposição de uma visão racista.
Novas filosofias que procuravam romper com a moral cristã cresciam, abalando todos os fundamentos éticos e favorecendo atitudes antes impensáveis. Nietzsche era muito interessado na teoria de superioridade racial do Galton. Muitos dizem que com a sua ideia de um super-homem, que seria capaz de ir além do bem e do mal, ele tentou espiritualizar o Darwinismo-social. O filósofo desprezava o cristianismo, ele via essa entidade como um ponto de controle para pessoas fracas. Acreditando no desenvolvimento desse herói moderno, que seguiria regras feitas por ele mesmo, um ser superior só poderia aparecer através do desenvolvimento das raças superiores, que aperfeiçoariam a raça humana mental e esteticamente. Apesar da controvérsia existente sobre a real intenção desse pensador de aprovar medidas eugenistas, suas ideias foram utilizadas pelo nazi-fascismo. Sua irmã Elizabeth, em um gesto simbólico, deu a Hitler a bengala que pertenceu a seu irmão, como se fosse um ato de aceitação e de encorajamento para que ele seguisse trilhando o caminho da raça pura ao qual, segundo ela, seu irmão era favorável.
Atualmente, a reflexão sobre este tema tem sido válida no campo da bioética. Hoje, técnicas de diagnóstico pré-natal permitem detectar bebês com problemas genéticos, e embora a decisão sobre aborto terapêutico seja pessoal, difunde-se o conceito de que é cruel não levar em conta a qualidade de vida e que interrompê-la pode ser um ato de amor. Os filhos deixarão de ser fins incondicionalmente aceitos para se tornarem meios utilitários. Aliado à crescente crença predominante da "genética como destino", cada vez mais as pessoas serão classificadas como geneticamente superiores ou inferiores. Será dado início a uma nova eugenia, orientada pelo mercado e a inovação tecnológica.
Escolher a cor da pele, dos olhos, o tipo de cabelo e mesmo a personalidade não são possibilidades distanciadas do desenvolvimento científico. O que está em questão é o desejo de fazer o homem ideal.
As pesquisas com células-tronco embrionárias despertam a atenção da sociedade. Para refletir sobre este assunto vale a pena lembrar que a política de extermínio eugenista não foi um gesto impensado. A maioria dos seus agentes (médicos, cientistas, laboratoristas, pesquisadores, antropólogos, legisladores e militantes políticos) estava firmemente convicta do rigor científico das suas ações e dos benefícios que sua adoção traria para a humanidade. Levaram à prática o que há anos era defendido por pensadores de renome, por revistas científicas e por doutores ilustres de ambos os lados do Atlântico. No Brasil, aprovou-se no dia 29 de Maio de 2008 a pesquisa com células-tronco embrionárias, classificando como improcedente a reivindicação do Procurador-Geral da República, Cláudio Fonteles, de que a vida humana começa com a fecundação. No entanto, a controvérsia em torno do argumento contrário continua em meio a própria comunidade científica e é inválida qualquer tentativa de validação de sua veracidade.
Os acontecimentos que envolvem a adoção de políticas eugenistas expressam o problema da fragilidade da ciência empírica. Mesmo após a ruptura da sociedade civil com a religião, marcando o advento do Estado laico com a Revolução Francesa, esta ciência não é capaz de abarcar toda a discussão em torno da ética em suas elaborações. É necessário, ainda hoje, a conceitualização de categorias como “vida” e “homem”. Essas definições a ciência experimental não dará sem a ajuda da filosofia e de um referencial sólido de verdade.
Esses pensamentos ascenderam num momento em que o culto à ciência progredia e a religião vai perdendo o poder de influenciar a sociedade. Os últimos anos do século XIX e os primeiros do XX foram marcados pela difusão de diversas teorias cientificistas que deixaram marcas profundas no estudo da natureza e da sociedade. Tais correntes procuravam romper com as explicações abstratas e metafísicas, buscando desvendar racionalmente a lógica do mundo natural, social, humano e sobrenatural, preferencialmente através da observação empírica. Todas tinham como ponto em comum a convicção de que a ciência e a técnica poderiam resolver os problemas básicos da humanidade.
Herbert Spencer, defendeu a aplicação da teoria evolucionista a todos os campos do conhecimento, inclusive na análise da sociedade. Daí o advento do darwinismo social. No âmbito da criminologia, os italianos (e socialistas) Cesare Lombroso e Enrico Ferri, entre outros, tentaram implantar uma visão científica do crime. Por esta, seria possível descobrir, através de determinadas características físicas, as tendências criminosas dos homicidas antes mesmo que cometessem algum delito. O discurso científico era usado para explicar vários fenômenos na sociedade, mesmo os de âmbito comportamental, o que ocasionava um abandono do pensamento moral e ético através das formulações abstratas.
A ideologia do progresso também permeou a sociedade do século XIX e XX. Além da herança das filosofias da história hegeliana e kantiana, o positivismo de Augusto Comte é usual para se pensar a evolução social. Neste contexto, a preocupação de grande parte dos cientistas e políticos é com a predominância dos melhores homens para contribuírem no desenvolvimento de suas nações e da humanidade.
Diante de uma realidade em que a ciência experimental é o único parâmetro de ação, sobra pouco espaço a valores que possam se contrapor a este tipo de visão. Se uma determinada atitude favorece os preceitos de sanidade e do desenvolvimento empírico, ela é justificável por si mesma. Na encíclica Casti Connubii o Papa Pio XI condenou a eugenia. Um princípio utilizado em sua argumentação é que não se pode querer alcançar um bem através de uma ação má. Este tipo de princípio fica comprometido no pensamento cientificista em que o bem é considerado em vista do progresso empírico. O valor do homem unicamente como pessoa é posto em descrédito, pois o que realmente importa é se ele é saudável e útil ao progresso social. Ademais, diante do vácuo de princípios abstratos que guiem a ação científica, as subjetividades dos atores envolvidos na pesquisa influenciam na formulação de asserções. Interesses como a afirmação da superioridade de uma nação, ou o medo da ascensão de alguma classe ou grupo social são fatores que podem colaborar para a imposição de uma visão racista.
Novas filosofias que procuravam romper com a moral cristã cresciam, abalando todos os fundamentos éticos e favorecendo atitudes antes impensáveis. Nietzsche era muito interessado na teoria de superioridade racial do Galton. Muitos dizem que com a sua ideia de um super-homem, que seria capaz de ir além do bem e do mal, ele tentou espiritualizar o Darwinismo-social. O filósofo desprezava o cristianismo, ele via essa entidade como um ponto de controle para pessoas fracas. Acreditando no desenvolvimento desse herói moderno, que seguiria regras feitas por ele mesmo, um ser superior só poderia aparecer através do desenvolvimento das raças superiores, que aperfeiçoariam a raça humana mental e esteticamente. Apesar da controvérsia existente sobre a real intenção desse pensador de aprovar medidas eugenistas, suas ideias foram utilizadas pelo nazi-fascismo. Sua irmã Elizabeth, em um gesto simbólico, deu a Hitler a bengala que pertenceu a seu irmão, como se fosse um ato de aceitação e de encorajamento para que ele seguisse trilhando o caminho da raça pura ao qual, segundo ela, seu irmão era favorável.
Atualmente, a reflexão sobre este tema tem sido válida no campo da bioética. Hoje, técnicas de diagnóstico pré-natal permitem detectar bebês com problemas genéticos, e embora a decisão sobre aborto terapêutico seja pessoal, difunde-se o conceito de que é cruel não levar em conta a qualidade de vida e que interrompê-la pode ser um ato de amor. Os filhos deixarão de ser fins incondicionalmente aceitos para se tornarem meios utilitários. Aliado à crescente crença predominante da "genética como destino", cada vez mais as pessoas serão classificadas como geneticamente superiores ou inferiores. Será dado início a uma nova eugenia, orientada pelo mercado e a inovação tecnológica.
Escolher a cor da pele, dos olhos, o tipo de cabelo e mesmo a personalidade não são possibilidades distanciadas do desenvolvimento científico. O que está em questão é o desejo de fazer o homem ideal.
As pesquisas com células-tronco embrionárias despertam a atenção da sociedade. Para refletir sobre este assunto vale a pena lembrar que a política de extermínio eugenista não foi um gesto impensado. A maioria dos seus agentes (médicos, cientistas, laboratoristas, pesquisadores, antropólogos, legisladores e militantes políticos) estava firmemente convicta do rigor científico das suas ações e dos benefícios que sua adoção traria para a humanidade. Levaram à prática o que há anos era defendido por pensadores de renome, por revistas científicas e por doutores ilustres de ambos os lados do Atlântico. No Brasil, aprovou-se no dia 29 de Maio de 2008 a pesquisa com células-tronco embrionárias, classificando como improcedente a reivindicação do Procurador-Geral da República, Cláudio Fonteles, de que a vida humana começa com a fecundação. No entanto, a controvérsia em torno do argumento contrário continua em meio a própria comunidade científica e é inválida qualquer tentativa de validação de sua veracidade.
Os acontecimentos que envolvem a adoção de políticas eugenistas expressam o problema da fragilidade da ciência empírica. Mesmo após a ruptura da sociedade civil com a religião, marcando o advento do Estado laico com a Revolução Francesa, esta ciência não é capaz de abarcar toda a discussão em torno da ética em suas elaborações. É necessário, ainda hoje, a conceitualização de categorias como “vida” e “homem”. Essas definições a ciência experimental não dará sem a ajuda da filosofia e de um referencial sólido de verdade.