segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Santas Nunilônia e Alódia, virgens e mártires

             

            Filhas de pai maometano e mãe cristã, matrimónios então muito frequentes, foram educadas nos mais sólidos sentimentos da piedade cristã, de maneira que, nutrindo-os sempre, e compondo por eles os seus costumes, eram a admiração de todas as pessoas por exemplar comportamento. Ocorreu a morte dos pais quanto tinham apenas doze ou treze anos; entraram para a tutela de um tio, ferrenho sectário do islamismo. Por muitas vezes tentara ele pervertê-las sem resultado; mas como o rei publicasse um édito, pelo qual sob pena de morte obrigava os filhos de cristão e mouro a seguir a religião de Maomé, tomou aqui ensejo o tio para mover os seus assaltos.
             Vendo-se repelido sempre com invencível brio pelas duas órfãs, denunciou-as a Zumail, governador de Huesca. Mandou o governador que Nunilona e Alódia comparecessem no seu tribunal; certas de que a sua fé era o objecto de litígio, puseram-se a caminho, descalças, alentando-se uma à outra a padecer, com as razões que lhes inspirava o Espírito Santo. Perguntou-lhes Zumail se seu pai tinha sido maometano; a isto respondeu Nunilona, que era a mais velha: «Nós não conhecemos o nosso pai, que nos faltou ainda quando ainda muito meninas; sabemos porém que a nossa mãe era cristã e que nos educou nesta santa religião que professamos e pela qual estamos prontas a perder a vida». Fez Zumail quanto pôde para estabelecer separação entre as duas donzelas, mas, advertindo que era debalde, despediu-as, dizendo que lhes perdoava por então por causa da verdura dos anos, e de as julgar mal aconselhadas; mas, se não se mostrassem emendadas, tivessem, por certo as mandaria decapitar.
            Saíram as duas irmãs todas satisfeitas por haverem podido confessar Jesus Cristo perante o tribunal do magistrado; e enquanto se lhes não proporcionava ocasião de darem a vida, o que não reputavam distante, resolveram preparar-se por aumento de fervor e de mortificações. Espiava-as o tio. Notando que em nada mudavam quanto à profissão religiosa, que continuavam a ser e a parecer cristãs, de novo as denunciou ao governador como cristãs, e de mau exemplo para os crentes do Alcorão. Foram pois chamadas de novo ao tribunal, e muitas vezes tentadas por ameaças e promessas a renegarem a Jesus Cristo; por último, entregues cada um a delas a uma família de mouros, a fim de que as persuadissem a seguir a lei de Maomé, como filhas de pai maometano, e assim se cumprisse o decreto de Abederramão II.
            Suportaram as duas ilustres virgens por espaço de quarenta dias os mais insistentes assaltos dos infiéis; não se modificaram porém no firme propósito de chegar ao fim. Achava-se Alódia, uma noite, dois dias antes do seu martírio glorioso, em oração, quando foi vista toda banhada de luz por uma filha do seu hospedeiro; ofereceu-lhe ocasião de obter a liberdade, se quisesse consentir nisso; não aquiesceu a santa para se não privar da glória que a esperava; só pediu que lhe permitisse abraçar a irmã; concedendo-se-lhe este favor, abraçaram-se ternamente e animaram-se a padecer por Jesus Cristo. Soube Zumail a nenhuma eficácia dos seus processos; insistiu ainda outra vez, ameaçando-as com a morte, se não renegassem a fé cristã; sempre repelido, lembrou-se de as entregar a um desgraçado presbítero, que, para se revolutear no lodo das suas paixões, renegara a crença, a fim de por suas artes as levar a igual desvario.
            Na impossibilidade de o fazer, participou a Zumail a inutilidade de seus esforços. Arrebatado, o tirano deu ordem de as degolarem imediatamente. Nunilona foi a primeira que se ofereceu ao sacrifício, compondo o cabelo para receber o golpe; posta de joelhos, disse com valoroso ânimo ao verdugo: «Eia, infiel, fere depressa». Atônito e perturbado, o verdugo errou o golpe à garganta, e levou-lhe um pedaço do queixo, sem lhe cortar toda a cabeça; e caindo o corpo em terra, descobriram-se-lhe um pouco os pés com os movimentos naturais que ocasiona a morte.
            Correu Alódia a compor a roupa da irmã sem a menor turbação; cravando em seguida os olhos ao céu, como quem via subir a alma ditosa, exclamou: «Espera um pouco irmâ. Dispôs-se logo para seguir Nunilona, mas, para que se lhe não sucedesse outro tanto, atou os pés às orlas dos vestidos para que a sua honestidade não sofresse com isto; descobriu o rosto, pôs-se de joelhos diante do corpo de sua irmã como sobre o altar consagrado e nesta postura recebeu o golpe do alfange, passando ambas a gozar a visão beatifica no dia 22 de Outubro de 851.