Bruno nasceu em Colônia, onde foi educado. Fez seus estudos na França, e o seu aproveitamento lhe pareceu a cátedra da escola de Reims. Manassés, arcebispo de Teims, fê-lo seu camareiro, como se pode deduzir de alguns atos que Bruno assinou nessa qualidade. Mas os benefícios com que Manassés o cumulou não lhe fecharam os olhos para os excessos praticados por aquele prelado nem lhe esmoreceram o zelo. Bruno foi um dos principais acusadores de Manassés que, para puni-lo, o privou de seus favores. Bruno sentiu menos tristeza com os maus tratamentos do que com os escândalos armados pelo arcebispo. Primeiro retirou-se para Colônia e, durante algum tempo, foi cônego de São Cuniberto; Deus, porém, chamava-os a um estado mais perfeito. Desde o tempo em que vivia em Reims, junto ao arcebispo Manassés, Bruno projetara, juntamente com alguns amigos seus, abraçar a vida monástica.
Bruno e seus companheiros levaram uma vida angélica nas tétricas montanhas da Cartuxa. Eis como se expressa Guiberto, abade de Nogent, famoso escritor daquele tempo, sobre a maneira de viver dos primeiros cartuxos: “A Igreja foi construída quase no cume da montanha. O claustro é muito cômodo; mas os cartuxos não moram juntos, como os outros monges. As celas são construídas ao redor do claustro e cada religioso ocupa uma delas, na qual trabalha, dorme e toma suas refeições. Recebem do ecônomo, aos domingos, pão e legumes para a semana. Os legumes são os únicos alimentos que eles cozinham em suas celas; uma fonte lhes fornece água para beber e para oturas utilidades, através de canais que desembocam nas celas. Aos domingos e dias santos solenes comem queijo e um pouco de peixe, quando os recebem de pessoas caridosas; pois não compram nada disso. Quanto ao ouro, à prata, e aos ornamentos da igreja, não os aceitam quando lhes são oferecidos. Um cálice resume a sua prataria. Não se reúnem às horas ordinárias; se não me engano, assistem à missa aos domingos e dias santos. Raramente falam e, se tem necessidade de dizer alguma coisa, fazem-no por meio de sinais. O vinho que bebem é tão aguado que não tem o mínimo sabor e mais parece água. Usam o cilício em cima da carne; suas roupas são bastante dinas. São governados por um prior: o Bispo de Grenoble serve-lhes, às vezes, de abade. Porém, embora sejam pobres, dispõem de uma rica biblioteca.
Guiberto assim prossegue: Tendo o Conde de Nevers ido visitá-los este ano, num ato de devoção, compadeceu-se da pobreza em que viviam, e enviou-lhes, ao regressas, algumas peças de prata de alto custo. Devolveram-nas, e o conde, edificado com a recusa, enviou-lhes couro e pergaminho, que sabia ser-lhes necessários na cópia de livros. Como as terras da Cartuxa são estéreis, semeiam pouco trigo; mas compram-no com a lá de suas ovelhas, que viram em grandes rebanhos, AO sopé da montanha moram mais de vinte leigos, que os servem com muito carinho, e que se ocupam com seus negócios temporais, pois os religiosos só se dedicam à contemplação. Em seguida, Guiberto refere-se ao grande número de conversões que o exemplo dos solitários da Cartuxa operou na França, e da diligência com que todas as províncias se empenharam em construir mosteiro do mesmo instituto.
Papa Urbano II e São Bruno
A pintura que o abade de Nogent nos faz da vida dos primeiros cartuxos, Pedro, o Venerável, acrescenta vários traços edificantes. Diz que usavam roupas de má qualidade, curtas e estreitas; que haviam delimitado uma certa extensão de terreno, além da qual nada aceitavam do que lhes era oferecido, fosse mesmo um punhado de terra; que tinham um número fixo de bois, de ovelhas, de mulas e de cabras; que, para não serem obrigados a aumentá-los, não recebiam mais de doze monges em cada estabelecimento, além do prior e de dezoito conversos e alguns criados; que nunca comiam carne, mesmo quando doentes; que na sexta-feira e no sábado só comiam legumes; e que às segundas, quartas e sextas comiam apenas pão escuro e bebiam água; que só faziam uma refeição por dia, exceto aos domingos, festas solenes, oitavas da Páscoa, Natal e Pentecostes; e que só ouviam missa aos domingos e dias santificados. Os seis primeiros companheiros de São Bruno foram Landuíno, os dois Estêvão, cônegos de São Rufo, Hugo, que era o único sacerdote da comunidade, André e Garin, leigos.
O maior consolo de Santo Hugo, Bispo de Grenoble, era fazer freqüentes visitas a Chartreuse, a fim de edificar-se com a santa vida que levavam os piedosos solitários. Estes porém, mais edificados ficavam com a humildade do santo prelado, do que ele com as suas austeridades. Santo Hugo vivia entre os monges como se fosse o último de todos. Seu fervor fazia com que esquecessem sua dignidade, e ele prestava os mais ínfimos serviços àquele com quem se alojava; pois nos primórdios da fundação, casa cela era ocupada por dois cartuxos. Seu companheiro queixou-se a São Bruno de que Hugo fazia questão de desempenhar as funções de um criado; mas sentia-se honrado em servir os servos de Deus.
Muitas vezes São Bruno tomava a liberdade de mandá-lo de volta à sua igreja. “Retornai às vossas ovelhas, elas precisam de vós; dai-lhes o que deveis”. O santo Bispo obedecia à Bruno como a um superior; porém, depois de passar algum tempo com seu povo, retornava à solidão. Pretendia vender seus cavalos e fazer a pé as visitas à sua diocese. São Bruno dissuadiu-o, receoso de que aquela singularidade parecesse uma condenação lançada aos outros bispos, e também, de que ele pudesse tirar do fato uma glória vã. Hugo seguiu-lhe o conselho; mas sua humildade obrigou-o a suprimir tudo quanto não julgasse dever à dignidade episcopal. Juntamente com São Bruno, o santo Bispo foi como que o pai dos cartuxos. Fez uma ordenação pela qual proibiu que as mulheres passassem pelas terras daqueles religiosos, pois temia que pudessem, perturbar-lhes a solidão. A ordenação com mais verossimilhança, datam os começos do instituto dos cartuxos.
Tendo sido o Papa Urbano II, que fora discípulo de São Bruno, em Reims, informado da santa vida que este levava, havia seis anos, nas montanhas da Cartuxa, e aliás, ciente da sua erudição e sabedoria, chamou-o para junto de si a fim de aproveitar seus conselhos no governo da Igreja. O humilde solitário não poderia receber uma ordem que mais lhe custasse a obedecer. Teria que se arrancar à querida solidão, deixar os irmãos ternamente amados e arriscar-se a ver dispersar-se o pequeno rebanho reunido com tanta dificuldade; mas seu respeito pela Santa Sé não lhe permitiu fazer ponderações. O Papa recomendou a Cartuxa a Seguin, abade da Chaise-Dieu, notável pela piedade e autoridade; e Bruno nomeou Landuíno prior da Cartuxa durante a sua permanência na Itália.
Mas os solitários, habituados a sofrer alegremente as maiores austeridades, não conseguiram suportar a ausência de seu pai. A Cartuxa que, estando ele presente, lhes parecia um paraíso terrestre, retomou aos olhos dos monges, o seu verdadeiro aspecto, isto é, o de um deserto tétrico e inabitável. Não conseguiram mais suportar os contratempos e a falta de conforto e foram-se embora, sem contudo separar-se. A deserção dos monges obrigou São Bruno a entregar a fundação a Seguin, abade de Chaise-Dieu. Entretanto Landuíno, que fora nomeado prior, tão pateticamente exortou os irmãos a perseverarem que, após uma ausência não muito longa, eles retornaram à Cartuxa; foi-lhes esta devolvida pelo abade da Chaise-Dieu por ato datado de 17 de setembro de 1090.
Bruno foi acolhido pelo Papa com a consideração devida à sua piedade e aos seus merecimentos; e o Papa, que conhecia sua prudência, freqüentes vezes consultava sobre importantes negócios da Igreja; mas a confusão e o tumulto ligados à corte romana, para onde eram levadas todas as causas do mundo cristão, não apraziam a um religioso que já experimentara as doçuras da solidão e da contemplação. Bruno solicitou, pois insistentemente, permissão para tornar a enterrar-se na sua querida cartuxa. O Papa apreciava-o demais para conceder-lhe o que pedia; instou para que aceitasse o arcebispado de reggio; o piedoso solitário desculpou-se com tão sincera humildade, que Urbano II achou que não devia violentar-lhe a modéstia; consentiu, mesmo que se retirasse para um lugar solitário, na Calábria, onde levou, com alguns companheiros que conquistara para Deus, na Itália, uma vida semelhante à das montanhas da cartuxa. Rogério, Conde da Calábria e da Sicília, felicitou-se por abrigar em seus estados tão santa colônia, e doou aos religiosos algumas terras na diocese de Squillace, onde construíram um mosteiro denominado La Tour, cuja igreja foi consagrada no ano de 1094.
A morte de São Bruno
Foi dessa solidão que Bruno escreveu a Radulfo Le Verd, então preboste da Igreja de Reims, seu velho amigo, convidando-o a renunciar ao mundo. Depois de agradecer-lhe as provas de amizade que lhe devia, pinta-lhe os atrativos do novo retiro. (…)
Depois do elogio da solidão, São Bruno faz o elogio da vida solitária e insiste com o amigo para abraçá-la, cumprindo a promessa que fizera. Diz-lhe: “Sabeis ao que vos obrigastes e o quanto o deus a que vos consagrastes é terrível. Não é lícito mentir-lhe; pois dele não zombamos impunemente.” Bruno relembra ao amigo as piedosas palestras por eles mantidas em Reims, em consequência das quais ambos se tinham comprometido a abraçar a vida monástica. Enfim, intima Radulfo a cumprir seu voto e exorta-o a fazer uma peregrinação a São Nicolau de Bari, a fim de que seja concedida a consolação de vê-lo. Contudo, Radulfo Le Verd permaneceu no estado eclesiástico e, mais tarde, foi elevado ao episcopado de Reims.
São Bruno escreveu, daquela mesma solidão, uma carta a seus irmãos da Cartuxa de Grenoble, congratulando-os, assim como a Landuíno, prior, que viera visitá-lo, por tudo quanto soubera sobre eles, e para exortá-los à perseverança. Felicita em particular os irmãos conversos pela piedade e obediência de que dão provas. Ao terminar , assefura aos solitários da Cartuxa que tem um ardente desejo de vê-los; mas que não lhe é possível satisfazer tal desejo. São Bruno morreu santamente no seu mosteiro da Torre, na Calábria, no ano de 1101, num domingo, 6 de Outubro, dia em que a igreja lhe glorifica a memória, depois de o ter Leão X, solenemente o incluído no número dos santos. (…)